Depois de tanta especulação, teorias e fortes expectativas, Spider-Man: No Way Home (2021) chega por fim às salas de cinema, sendo coproduzido pela Columbia Pictures e o Marvel Studios, e distribuído pela Sony. Esta é daquelas análises que se assemelha a caminhar num campo de minas, onde um pequeno passo em falso pode significar um potencial spoiler para alguns. Por isso, vou cingir-me apenas à informação presente em imagens e trailers promocionais. O grande fator de entretenimento do filme é mesmo a experiência em si, sendo a minha recomendação predileta para o verem numa sala de cinema com IMAX.
Passados cinco anos desde que Tom Holland encabeçou a nova versão do Marvel Cinematic Universe do Spider-Man, em Captain America: Civil War (2016), que conseguiu daí em diante, não apenas ter o maior número de aparições na grande tela (face aos antecessores), bem como se tornar numa das versões favoritas de muitas pessoas. Pessoalmente, não fiquei assim tão convencido, pois embora seja uma (re)imaginação interessante e diferente da personagem em relação às comics, certas decisões acabam por destoar muito daquilo que é a essência do herói.
Só que Spider-Man: No Way Home (2021) é muito mais do que o culminar de uma trilogia ou sequer da prestação de Tom Holland no papel, é sobretudo, o fecho de um ciclo que começou há quase vinte anos atrás. Jon Watts retorna ao posto de diretor, para arrumar a casa, que fora deixada em suspensão após o gancho final de Spider-Man: Far From Home (2019). Agora, Peter Parker (Tom Holland) terá de lidar com a nova realidade, de que todos sabem a sua verdadeira identidade enquanto herói, fruto do plano de Mysterio em culpabilizá-lo pela sua trágica morte. A enorme exposição em torno desta revelação, coloca igualmente em perigo as pessoas mais próximas do aranhiço, como MJ (Zendaya), Ned (Jacob Batalon) e May (Marisa Tomei).
Como os próprios trailer evidenciam, Parker irá recorrer a nada mais, nada menos, do que Stephen Strange (Benedict Cumberbatch), vulgo Dr. Strange, para solucionar o sucedido. Mas como nem tudo é tão fácil como parece, as coisas dão errado, e Peter vê-se numa situação muito pior. Onde inúmeras figuras sinistras de todo o multiverso são enviadas para o seu universo. Numa corrida contra tempo, Spider-Man irá passar por uma jornada inesperada, que irá virar do avesso toda a sua vida, e tudo aquilo que dava como garantido. Ao nível narrativo, fico-me por aqui, pois como já referi acima, a piada do filme é mesmo verem-no por vocês mesmos, sendo que esta análise tem o propósito de vos convencer, e não de dar spoilers ao contar todos os segredos ou nuances que vos aguardam.
Querendo falar já do ‘elefante na sala’, sim, há várias surpresas, que para muitos podem ser já bastante expectáveis, acredito que para alguns (e dou-vos os parabéns) que conseguiram se esquivar dos vários rumores e teorias dos últimos meses, terão um prato cheio de momentos incríveis, emoções e adrenalina. Por vezes, não é tão a ‘surpresa’ em si que mais chama à atenção, mas sim, como e quando esta se desenrola, e nas suas implicações no MCU e, em particular, para com o Peter Parker. Acredito piamente, que por mais expectativas que tenham para este filme, que conseguirão usufruir da totalidade do mesmo.
É praticamente impossível separar a qualidade do filme da experiência de vê-lo, o último acaba por enviesar o primeiro drasticamente. O público português costuma ser mais contido ao assistir um filme no cinema, isto colocando em comparação, por exemplo, com o público americano. Coincidência ou não, a sessão que assisti no dia de estreia conseguiu ser muito expressiva, oscilando entre gritos, e até palmas, em vários momentos chaves. De facto, é mesmo um momento único na história do subgénero de super-heróis. Futuras gerações, poderão olhar este filme com outro olhar mais crítico, mas quem o viu neste preciso momento, experienciou algo irreplicável na indústria cinematográfica.
Outro ponto certeiro desta longa-metragem são os vilões que tanta expectativa criaram assim que foram revelados nos trabalhos promocionais. Graças ao desenvolvimento patente nos filmes de onde são originários, pouco é feito para que sejam feitas apresentações formais. Watts e, particularmente a Marvel através Kevin Feige (produtor executivo número um do estúdio) sabem perfeitamente que o público está mais do que familiarizado com estas personagens, portanto, saltam logo para o que realmente interessa. Na prática, não apenas rendem bons momentos de ação contra o aranhiço, como era de calcular, mas vão mais além disso, ao ter uma presença de peso durante todo o filme, sobretudo, ao nível de diálogos e interações com o restante elenco.
Vindos diretamente da duologia de Marc Webb temos Electro (Jamie Foxx) que é quem se distancia em maior grau da sua versão original, cuja decisão rendeu bons momentos de humor para lá do que era esperado. E ainda Dr. Connors (Rhys Ifans) mais conhecido como Lizard, que infelizmente é quem fica mais abafado, e com menor foco de profundidade, de entre todos os vilões. Vindos da trilogia de Sam Raimi, está presente Flint (Thomas Church), vulgo Sandman, e ainda Otto Octavius (Alfred Molina) também conhecido por Dr. Octopus, e Norman Osborn (Willem Dafoe) ou Green Goblin.
Reservei um parágrafo inteiro apenas para estes dois últimos. Alfred Molina e Willem Dafoe parece que foram tirados diretamente das suas contrapartes de 2002 e 2004, como se não tivessem envelhecido um único dia. Considero-os uma das maiores forças a favor do filme, são interpretações que chegam a tirar toda atenção das personagens com quem contracenam sempre que estão em cena. São igualmente, de entre todos os vilões, aqueles que acabam por ter maior paralelismo e continuidade em relação aos filmes de onde vieram.
Pois, não se tratam apenas de meros cameos ou de desculpas narrativas para render boas cenas de ação, são personagens densos, com imensa profundidade. Não me consigo decidir qual dos dois preferi, pois estão par a par ao nível de atuação e presença em tela. Tentando ainda fugir a revelar grande coisa, também há que destacar a outra parte do elenco secundário. A figura materna de Peter, a Tia May acaba por ter a sua melhor prestação da trilogia aqui, carregando vários momentos às costas, colocando de lado todas as críticas apontadas à sua personagem nos dois filmes anteriores.
Também Ned atinge o pico de máximo de alívio cómico, onde praticamente todas as piadas conseguem surtir efeito, e se equilibrar com os momentos de maior drama. Sendo este elemento da comédia outro ponto forte, vincado na primeira parte do filme. Infelizmente, considero que Zendaya é quem mais sofre no meio desta divisão de tempo de antena, pois não me conseguiu convencer enquanto MJ, embora a sua relação com Peter seja credível e funcione muito bem, mas acabe por ser reduzida a esse arquétipo, em grande parte do filme.
Do outro lado da balança, Jon Watts repete alguns dos problemas patentes nos outros dois filmes, estando esses bastante vincados na primeira parte do filme, sendo que o meio e o fim, acabam por sair em vantagem, por se soltarem gradualmente das amarras do formulaico do MCU. Estes entraves típicos da direção razoável de Watts fazem o filme não conseguir atingir a perfeição, pois, potencial não faltava. Mesmo assim é de louvar todo o trabalho de direção de elenco e criativa, que este tipo de produções acarreta. Com mais de duas horas e meia de duração, Spider-Man: No Way Home (2021) consegue dizer tanta coisa e o tempo a passar a voar, onde poderia facilmente continuar a assisti-lo por mais horas a dentro.
Ao nível técnico encontra-se dentro do esperado deste género de produções, não reduz nenhum dos requisitos, mas também não eleva a fasquia. Ficando o destaque, ao nível de melhorias, para a coreografia das cenas de ação, que alcançam outro patamar nunca antes visto noutro filme do aranhiço. E ainda da linguagem cinematográfica, que está impecável, tendo várias sequências muito bem construídas, com um jogo de iluminação quer de dia, quer de noite, que simulam e bem em certos aspetos da estética das comics. Mauro Fiore, o responsável neste departamento, está de parabéns, para além de que a fotografia do filme dará vários wallpapers de qualidade no futuro.
Tom Holland consegue neste terceiro filme solo, mostrar que é capaz de alcançar um nível de atuação acima do esperado. Há situações que levam ao limite a carga emocional alguma vista num filme de Spider-Man, e o protagonista consegue estar à altura das exigências destas cenas, sendo bastante credível na sua prestação. É curioso, e sem entrar no território de spoilers, como foi o suposto último filme a solo do herói, que me mais convenceu da qualidade de Holland enquanto no papel e me fez querer ver mais dele no futuro. Quer isso se concretize ou não, o ator mostrou para o que veio e com certeza será lembrado aqui como a sua melhor atuação enquanto ator (até ao momento), bem como o filme mais acertado da trilogia.
Não há como escapar ao tão famigerado fanservice. Quer se odeie ou se ame, ele veio para ficar. Spiderman: No Way Home (2021) abraça todo o espetro de referências, easter eggs, paródias, meta-linguagem e até memes, possíveis. Mostrou que a indústria cinematográfica ligada ao subgénero dos super-heróis nunca esteve tão enraizada na cultura pop como agora, onde é praticamente impossível separar as duas.
Seja como for, muito mais poderia ser dito, com spoilers, caso não me importasse de estragar a experiência para quem está a ler. Como não é o caso, apenas deixo uma forte recomendação, que devem ir vê-lo enquanto está em exibição, pois dificilmente terão outra experiência igual nos próximos tempos.
Spider-Man: No Way Home (2021) não é apenas mais um filme de super-heróis, é uma verdadeira celebração da presença do herói ao homenagear três gerações e duas décadas distintas, do aranhiço na indústria do cinema. Pode ser o calor do momento a falar, mas mesmo não sendo o maior fã do herói, este filme é bem capaz de ser o meu favorito de todos do aranhiço.
É uma experiência obrigatória para todos aqueles que se consideram fãs da personagem, pois dificilmente ficarão desapontados. Está longe de ser uma produção perfeita, é verdade, mas vale pela experiência e por aquilo que representa no universo de super-heróis, na Marvel, nas comics e até, em última instância, no legado que deixa na indústria do cinema.
Positivo:
- Celebração de quase vinte anos da presença do aranhiço nas grandes telas;
- Experiência irreplicável numa sala de cinema;
- Faz jus a toda a antecipação e expectativas em torno do filme;
- Tom Holland entrega, possivelmente, a sua melhor atuação;
- Fecha com chave de ouro a trilogia, abrindo portas a uma versão mais desejável da personagem no MCU;
- Fanservice pertinente e insólito;
- Willem Dafoe e Alfred Molina com duas atuações de peso;
- Desenvolvimento e interações entre o elenco secundário;
- Várias surpresas e momentos de tirar o fôlego;
- Clímax e o último ato do filme são incríveis.
Negativo:
- Os mesmos problemas da realização de Jon Watts e dos outros dois filmes da trilogia estão aqui presentes;
- Lizard e Sandman acabam por não ter o mesmo nível de atenção e desenvolvimento quanto os restantes vilões;
- Torna-se um requisito obrigatório ver os filmes das últimas duas décadas para aproveitar Spider-Man: No Way Home (2021) no seu esplendor.