Análise – Top Gun: Maverick

(Agradecimento à NOS pelo visionamento com a presença holográfica do realizador)

Nos dias que correm, a nostalgia tornou-se uma poderosa arma de arremesso no entretenimento. Já ninguém estranha quando um filme clássico, nomeadamente de uma franquia, ganha alguma forma de expansão. Isto normalmente está associado, na indústria, a uma prática preguiçosa ou de fácil cash grab por parte dos estúdios, no entanto, como o passado já nos provou, por vezes surge uma pérola inesperada que traz algo de refrescante para cima da mesa. A mais recente sequela de Top Gun (1986) encaixa-se distintamente nesta descrição.

Tony Scott, realizador do original, havia iniciado a pré-produção desta sequela no início da década passada, infelizmente devido à sua trágica morte, o estado do projeto ficou indeterminado. Só mais tarde, o principiante Joseph Kosinski, conhecido por realizar  a sequela de outra franquia, Tron: Legacy (2010), assumiu o comando desta produção. Devido aos atrasos e contratempos da pandemia por fim em 2022, Top Gun: Maverick consegue chegar às salas de cinema, produzido pela Skydance Media e distribuído pela Paramount Pictures.

Top Gun é recordado por muitos como um dos maiores clássicos dos anos 80s. Outros consideram-no (não ironicamente) a maior propaganda militar de alistamento, na aviação naval americana, alguma vez feita. Seja como for, é ainda lembrado com bastante apego por quem o assistiu na época, daí que este retorno, tenha estado nos holofotes um pouco por todo o lado. Após 36 anos dos eventos do primeiro, Pete Mitchell (Tom Cruise), vulgo Maverick, resiste à passagem do tempo e permanece no mesmo posto que havia ficado desde a última vez que o vimos.

Tudo muda, quando é convocado de forma inesperada, pelo seu antigo rival e camarada de treino, Tom Kazansky (Val Kilmer) conhecido como Iceman, para voltar onde tudo começou, na academia Top Gun. Onde são formados os mais brilhantes e habilidosos pilotos da marinha nas táticas de combate aéreo. O passado repete-se, mas as cadeiras trocam de lugares, e o antigo piloto, torna-se o instrutor de uma nova equipa, dos quais se destacam, Rooster (Milles Teller), Hangman (Glen Powell), Phoenix (Monica Barbaro) e Bob (Lewis Pullman).

A missão está longe de ser fácil. A equipa recém criada terá de destruir uma instalação fortificada repleta de urânio, num tempo limite, antes de serem detetados pela presença inimiga. Além deste perigo iminente, a inexperiência dos pilotos em missões de alto risco e o pouco tempo que têm para se preparar, levará ao limite tanto a equipa como o seu instrutor. Sendo que Maverick ainda é atormentado com o acidente lamentável que provocou a morte do seu camarada e amigo, Goose (Anthony Edwards), na primeira longa-metragem.

É visível o amadurecimento de Tom Cruise no papel de Pete Mitchell. Graças a um argumento denso que lhe permitiu distanciar-se do típico protagonista de filme de ação, bem como em toda a  preparação física para o papel. Se há três décadas a tecnologia da época limitava as cenas de aviação, aqui ascende a outro patamar. Do muito que já vi e experienciei na sétima arte, posso afirmar facilidade, que Top Gun: Maverick é ímpar em qualquer cena de maior adrenalina, que envolve a pilotagem das aeronaves dos Super Hornet, conhecidos como F-18.

Estou longe de ser um especialista no assunto, contudo, na minha perspetiva serão momentos de tirar o fôlego a qualquer um. O grande diferencial é que devido ao uso de F-18 verdadeiros na filmagem do interior dos cockpits, isto transmite uma sensação de grande dinamismo e realismo. Os próprios atores tinham de manusear as cameras lá dentro, desencadeando uma experiência única de como a cinematografia em elevadas altitudes é executada. Se virem em IMAX, multipliquem isto por dez, porque é mesmo de uma descomunal qualidade.

É das experiências audiovisuais que melhor favorece de ser visto no maior ecrã possível. Quem o for ver, posteriormente, no conforto da sua casa quando chegar a streaming, não terá de perto a mesma experiência de quem o viu numa sala de cinema. São dois filmes diferentes. Mas voltando um pouco atrás, aquilo que o realizador Kosinski prometeu é verdade, os atores chegaram mesmo a voar nos famosos caças, embora não os pilotando obviamente, porém no decorrer do filme isto nem causa grande estranheza. Sem falar das acrobacias aéreas, que são um regalo para os amantes da temática, e que prendem qualquer espetador à cadeira.

Quanto à narrativa, esta por incrível que pareça, é bastante simples face à típica película de ação habitual. O argumento, principalmente sob a alçada de Ehren Kruger (Transformers) e Christopher McQuarrei (Mission Impossible) compensa a leveza da história com a carga dramática e a sinergia entre as personagens. Rooster é nada mais nada menos do que o filho de Goose. O passado repete-se como se predestinado fosse, pois este último terá de confiar em Maverick, tal como o seu pai fez um dia, apesar de todas as suas reticências e mágoas envolvidas.

A ligação entre os dois leva o seu tempo para se desenvolver, resultando num poderosíssimo clímax que deixará qualquer fã de Top Gun com um sorriso na cara. Sob outro ponto de vista, o restante grupo de pilotos tem muito pouco ou quase inexistente espaço para se mostrar. Há exceção de um ou outro momento mais relaxado entre equipa, esta sequência foca essencialmente no protagonista do anterior, em Rooster, parcialmente em Hangman que também terá momentos de tensão com o segundo, e ainda em Penny (Jennifer Connelly), o interesse amoroso deste filme.

A veterana vencedora de um Óscar, apesar de servir de pendor emocional com Mitchell, pouco ou nada se encaixa na história principal. Senti que poderia ter sido encaixada no enredo de melhor forma (talvez como mãe de Goose) mas da forma como foi havia potencial para melhor aproveitamento. Em contraponto a isto, o filme repete o tipo de papel de algumas personagens do primeiro filme, tendo agora Cyclone (Jon Hamm) e Hammer (Ed Harris), como os superiores hierárquicos da vez, que irão servir de entrave à liderança de Maverick.

O elenco beneficia da ligação com o realizador em trabalhos anteriores, tanto Cruise, como Connelly e Teller em Only The Brave (2017). Tocando novamente nos aspectos técnicos, quanto a uma das coisas que mais gosto de ver num filme são momentos contemplativos, e esta longa-metragem tem em abundância. Para além da fotografia aérea que referi antes, também no solo se fazem bons planos de sequência, com os cenários e a base militar a ocuparem toda a vista. Sendo que a realização de Kosinski prioriza cenas filmadas durante o nascer e pôr do sol.

Aprimorando a cinematografia, a cargo de Claudio Miranda, para algo magnífico e diferente do que se faz com grandes orçamentos atualmente. O que me leva aos últimos dois pontos que quero referir, estando eles relacionados. A banda sonora era tudo aquilo que os fãs queriam. Toda a sequência de abertura é uma grande homenagem ao clássico dos anos 80s, tendo a mesma música (Danger Zone de Kenny Loggins), letreiro e composição de cena. Coloca-nos imediatamente no mundo de Top Gun, um fanservice adequado, sem parecer forçado.

Uma vez que esta é das poucas sequelas, que supera de longe o filme que lhe antecede. Em todos os níveis. São raras as vezes que se pode dizer isto na indústria, só me vem à cabeça Blade Runner 2049 (2017) e Mad Max: Fury Road (2015), portanto, é sempre algo importante de enfatizar. Composta pelo mestre Hans Zimmer, e tendo ainda uma música completamente original, uma prática antiga que poucas franquias seguem hoje em dia, pela voz de Lady Gaga (Hold My Hand).

Se Top Gun (1986) era um filme bastante descontraído e um espelho dos blockbusters dos anos oitenta, a sua sequela, Top Gun: Maverick, é envolvida num tom dramático e sério, que desencadeia num dos papéis mais desafiantes da carreira de Tom Cruise enquanto ator. A meu ver é mesmo um feito raro atualmente, uma continuação como esta, com tamanhas expectativas em cima, a exceder tudo aquilo que se viu há trinta anos atrás.

Dado que só as cenas com os F-18 nos ares já valem a visualização do filme, se lhe adicionarmos o fator nostalgia, as atuações e a qualidade em todos os cantos e pequenos detalhes, então estamos perante num dos pontos altos do ano ao nível cinematográfico. É mesmo uma sequela em que os envolvidos entenderam o encanto do original! É viagem absolutamente impactante, acima de tudo para os fãs do género e do clássico de 1986. Fica por isso uma forte recomendação da minha parte.

Positivo:

  • Sequela ultrapassa o original em todos os níveis;
  • Abertura é uma injeção de nostalgia;
  • Honra a proposta iniciada por Tony Scott;
  • Cinematografia marcante;
  • Combates aéreos nos f-18 são extraordinários;
  • Boas atuações com destaque para Tom Cruise;
  • Uso de fanservice de forma apropriada;
  • Relação entre Maverick e Rooster;
  • Clímax poderoso e muito emocionante;
  • Experiência obrigatória na sala de cinema em IMAX;

Negativo:

  • Personagem de Jennifer Connelly com pouca relevância no enredo;
  • Maioria dos pilotos não tem exposição suficiente para criar um vínculo com o público;

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