O ano de 2021 já ficou para trás, no entanto, vou dedicar algum tempo deste mês para colocar análises que ficaram pendentes, visto que Janeiro é uma altura mais parada para novos lançamentos. Além de que muitos destes filmes serão fortes candidatos a várias categorias da grande premiação dos Óscares, que se aproxima no horizonte. Para começar esta leva de análises, nada melhor do que a tão aguardada nova entrada do realizador Wes Anderson, sendo o seu décimo lançamento desde que iniciou carreia em meados dos anos 1990s.
The French Dispatch (2021) vai buscar uma estrutura pouco usual face à filmografia do diretor em causa. Narra uma experiência repartida num par de crónicas de uma redação de um jornal, que dá nome ao filme. Quando Arthur Howitzer Jr (Bill Murray), editor do jornal, sofre uma morte repentina, é colocado em marcha o plano presente no seu testamento: suspender a publicação do jornal e lançar uma última edição composta por quatro crónicas diferentes, bem como o seu obituário.
Esta pequena introdução dá mote ao resto da obra. Como cada uma das quatro histórias tem personagens, temáticas e até tons distintos entre si, naturalmente que o público terá a sua favorita(s). Para mim, as primeiras três são muito boas, e conseguiram deixar-me preso à experiência audiovisual que só Wes Anderson sabe contar aqui. Já a última nem tanto, mas vamos por partes. “The Cycling Reporter” é a mais breve, tendo foco exclusivo em Herbsaint Sazerac (Owen Wilson), que relata algumas curiosidades, de um pouco por todos os lugares mais importantes da cidade ficcional de Ennui-sur-Blasé, onde se passa grande parte da ação do filme.
“The Concrete Masterpiece” é mais complexa e fascinante. Moses Rosenthaler (Benicio del Toro) um artista preso por homicídio, torna-se rapidamente conhecido pelo mundo fora devido ao seu talento invulgar. Ao mesmo tempo que se envolve com um traficante de arte, Julien Cadazio (Adrien Brody) e também num romance com uma guarda prisional, Simone (Léa Seydoux). O grande trunfo desta história é todo o payoff final, que resulta numa cena bem humorada.
Segue-se “Revisions To A Manifesto“, onde uma jornalista da redação, Lucinda Krementz (Frances McDormand) que acompanha uma manifestação de estudantes, que se transforma numa verdadeira revolução académica. Tendo como figuras centrais, Zeffirelli (Timothée Chalamet), o líder pouco convencional que redige o manifesto do grupo e também de Juliette (Lyna Khoudri), que assume uma postura de conflito para com este último. O que faz esta parte ser tão especial, é não apenas pela crítica subtil que evoca, mas também pela maneira como uma situação banal escala para algo muito maior. Em último caso é também aquela que aproveita em maior grau do estilo de realização de Wes Anderson.
Por último, “The Private Dining Room Of The Police Commissioner“, que envolve o rapto de Gigi (Winston Hellal) filho do comissário da polícia (Mathieu Amalric), um cozinheiro especialista em refeições para forças policiais, Nescaffier (Stephen Park) e até da personagem enigmática de Chauffeur (Edward Norton), o raptor. Talvez por se encontrar no último terço do filme, ou por qualquer outra razão que não sei precisar, mas esta é a história que menos me cativou durante a experiência de The French Dispatch (2021).
Embora todos estes episódios estejam amarrados em torno da personagem de Bill Murray, podendo este ser considerado o principal na narrativa, infelizmente, é quem tem muito pouco tempo de tela. O que me leva a outro ponto, pois para todos os efeitos, o foco prende-se na construção do mundo e passado da redação The French Dispatch, do que em si nas personagens. A ambientação ganha maior relevância, sendo ideal neste caso, uma vez que é a longa-metragem mais experimental de Wes Anderson até ao momento.
O formato em antologia serve muitíssimo bem para serem criados vários formatos e abordagens singulares, onde os detalhes e pormenores visuais dão vida e cor às cenas, num filme por si exibido em grande parte a preto e branco. E se é de Wes Anderson que estamos a falar, é impossível escapar ao seu estilo cinematográfico, que nos habituou desde sempre. A sua mestria em The French Dispatch (2021) iguala-se a outros grandes títulos do seu reportório como The Royal Tenenbaums (2001) e The Grand Budapest Hotel (2014), no entanto, a vertente criativa encontra-se num patamar acima.
Até ao momento já vou na minha segunda visualização, e mesmo assim, sinto que ainda há muito para reter. É um filme carregado de particularidades minuciosas, cada cena é o seu próprio quadro vivo, e cada personagem é o seu próprio mundo fervoroso. Parcialmente graças ao responsável pelo departamento de fotografia, Robert Yeoman, que buscou na New Wave francesa dos anos 50s inspiração para a composição das cenas e jogo de iluminação, que conjugados, criam toda uma estética e magia de se assistir a possivelmente ao melhor filme de Anderson no requisito cinematográfico.
Como dá para ver, The French Dispatch (2021) tem até ao momento o maior elenco, tanto em quantidade como em qualidade, da filmografia de Wes Anderson. Ainda que a reduzida presença de alguns atores, quando não apenas um mero cameo, seja justificada pelo formato antológico, acaba por deixar um pouco a desejar, pelo menos levando em consideração a forma como o filme foi vendido. Há personagens que se conseguem criar logo uma conexão emocional forte, até porque costuma ser essa a regra com este diretor, contudo, outras são bastante esquecíveis.
Há semelhança de Clint Eastwood e Ridley Scott, também Wes Anderson volta a ganhar espaço, a partir de um lançamento muito aguardado em 2021. Consegue almejar a proeza, a meu ver claro, de melhor cinematografia do ano, bem como refrescar a indústria com uma obra diferente para melhor. Um olhar criativo sob o mundo do jornalismo a papel, onde a substância e contemplação visual ganham mais força do que tudo o resto. Está longe de ser do agrado de todos, mas caso procurem algo distante do típico blockbuster do momento ou de algo experimental que vos desafie a apreciar um filme sob outra perspetiva, The French Dispatch (2021) é a escolha certa.
Positivo:
- Enredo expressivo;
- Experiência carregada de criatividade;
- Ideal para várias visualizações;
- Cinematografia excecional;
- Aspetos técnicos de louvar;
- Direção de fotografia;
- Elenco de peso…
Negativo:
- …mas nem todos são aproveitados de forma equilibrada;
- Terceira história não me convenceu;