Análise – Django Unchained (Django Libertado)

Ainda tenho na memória 1994, a personagem de John Travolta morre baleada por Bruce Willis e na cena imediatamente a seguir está viva. A ideia de desmontar uma história desfigurando a cronologia imposta pela narrativa clássica, foi ao mesmo tempo ousada e consoladora. A partir daquele momento o cinema nunca mais foi o mesmo, influenciando o cinema contemporâneo e uma nova geração de cineastas.

Não estou a sugerir que foi completamente original, mas Pulp Fiction tornou-se a referência pelo mediatismo, qualidade e massificação. Não levou para casa o Óscar de Melhor Filme (a concorrência era feroz com Forrest Gump e Condenados de Shawshank), mas Tarantino adquiriu o estatuto e responsabilidade de proporcionar obras únicas e originais para o resto da vida.

Quase 20 anos volvidos, estreia Django Unchained. Será que o novo filme de Quentin Tarantino, inspirado nos Western Spaghetti, corresponde aos pergaminhos dos antecessores?

Preciso de sublinhar que nem tudo o que Tarantino faz é espectacular. Também há filmes maus (Death Proof), filmes agradáveis (Jackie Brown), filmes muito bons (Kill Bill e Sacanas Sem Lei) entre filmes excelentes (Pulp Fiction, Cães Danados e Assassinos Natos, este último apenas escrito por Tarantino).

Django Unchained caminha na direcção de um tema que não é de domínio de Tarantino, uma história de amor. Um príncipe salva a princesa que está presa num castelo protegido por um dragão. Aliás, um escravo libertado desencadeia uma estratégia para libertar a esposa, cujo valor comercial pertence a um poderoso barão, conhecido pelo comportamento desrespeitoso e grosseiro para com os escravos.

O filme começa com a apresentação de Django (interpretado por Jamie Foxx), que está à disposição de dois proprietários e na companhia de outros escravos. Aparece então Dr. King Schultz (interpretado por Christoph Waltz, vencedor do Óscar de Melhor Actor Secundário pelo desempenho em Sacanas Sem Lei) que oferece a liberdade a Django em troca de colaboração no negócio de “caçar cabeças a prémio”. Django acede à oferta, aprimora a arte de sacar uma pistola e toma o gosto pelo ofício. Django e Schultz passam então uma temporada a caçar pessoas procuradas e constroem uma amizade.

O passo seguinte é entrar em contacto com Calvin Candie (interpretado por Leonardo DiCaprio), proprietário de Broomhilda, a esposa de Django (interpretada por Kerry Washington) e dono de uma das maiores propriedades do Mississippi.

Django e Schultz são bem-sucedidos e Calvin convida-os a visitar Candieland, permitindo que coloquem em prática o plano para resgatar Broomhilda. Evidentemente que a coisa, a dada altura, dá para o torto. Mas não seria preciso ver o filme para deduzir este acontecimento.

Django Unchained não é o melhor filme de Tarantino e apesar da nomeação não será desta que o realizador conseguirá o Óscar de Melhor Filme.

Django padece de um problema grave: conta duas histórias desgarradas. O negócio dos caçadores de prémios e a salvação de Broomhilda, mesmo tendo em conta a temática do racismo sempre presente, não são complementares.

Recordando Inglorious Bastards e Pulp Fiction, se há alguém no cinema actual que sabe lidar com narrativas desgarradas é Tarantino, mas no balanço final a primeira metade do filme é significativamente melhor do que a segunda, ficando a sensação que afunila para um filme da Disney com tiros e litros de sangue. Se Tarantino tinha consciência da escolha, poderia ter desconstruído a temática e assinar mais um clássico.

A realização está estupenda, poucos realizadores em Hollywwod conseguem fazer o que Tarantino faz. Nomeadamente explorar o melhor dos actores. DiCaprio está fantástico, Waltz desfruta do momento, Jamie Foxx é um badass (notável porque a origem do actor é a stand-up comedy) e Samuel L. Jackson conseguiu resistir à tentação de ressuscitar Jules Winnfield.

As técnicas de realização estão deliciosas, com enquadramentos à Tarantino e aplicação de clichés de realização dos antigos Westerns, como o zoom in em elástico, contrapicados e panorâmicas nas paisagens. O tratamento sonoro é competente e a edição bastante fluida, principalmente na montagem que dá entender a passagem de tempo e a amizade de Django e Schultz a consolidar.

Do ponto de vista dos diálogos, Tarantino é soberbo. O que dizem e como dizem identifica e distingue as personagens, há constantes running jokes preparadas e aplicadas de forma subtil.

Resumindo, Django Unchained não leva melhor classificação por padecer de um problema. Tarantino joga num campeonato à parte dos outros realizadores, por isso a obra é necessariamente comparada com os outros trabalhos do autor. Nesse capítulo, Django Unchained não atinge o patamar de excelência de Tarantino.

 Positivo

  • Diálogos
  • Primeira metade do filme
  • Christoph Waltz
  • Direcção de Actores
  • Cameos
  • Relação Stephen e Calvin
  • Empatia Foxx/Waltz

Negativo

  • Foxx de óculos escuros?! Tarantino passou-se! O olhar é um veículo fundamental na representação de um actor e não deve ser castrado.
  • Calvin Candie teria aceitado negociar Broomhilda?!
  • Segunda temática subaproveitada
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