Análise – Loki

O Marvel Cinematic Universe (MCU) ficou com o estigma negativo de que os seus vilões são bastante fracos, pois deixavam muito desejar na questão de construção de antagonistas interessantes e competentes. Dos poucos que conseguiram quebrar este rótulo, destacava-se o infame irmão do Deus do Trovão, que logo na sua primeira aparição, em Thor (2011), chamou à atenção do público. Feito este que lhe possibilitou assumir o papel de vilão, na primeira grande união dos heróis, em Avengers (2012), no qual conquistou uma legião de fãs.

Estando por isso já bem estabelecido, não tardou que mais aparições suas em outros filmes se tornassem inevitáveis nos anos seguintes. No entanto em Avengers: Endgame (2019), a mesa virou e a personagem teve o seu fim pelas mãos de Thanos. Por questões relacionadas ao contrato do ator e por antever a onda de pedidos dos fãs, a Marvel deixou uma pequena ponta solta nesse mesmo filme, de modo a puder trazer, caso necessário, a personagem de volta.

Com efeito é no Disney Plus, onde alcança o holofote principal, com a série de seu nome Loki (2021), criada por Michael Waldron, dirgida por Kate Herron e com Kevin Feige na já habitual cadeira de produtor executivo.

Com esta mini série o estúdio abraçou de vez, o seu lado místico e cósmico, tão presente nas comics. Ao aceitar que o Loki que havia escapado da realidade vigente do filme de 2012, a partir do uso do Tesseract, todo um conjunto de implicações narrativas são aqui levantadas. Sendo que a personagem passa agora a designar-se como um variante, ou seja, uma outra versão alternativa da oficial, daquela que os filmes nos deram a conhecer.

Com isto em mente, Waldron elabora uma premissa genial, onde Loki (Tom Hiddleston) ao mudar a linha de acontecimentos principais é capturado por agentes da Time Variance Authority (TVA). Uma organização, excessivamente metódica e burocrática, encarregue de manter a linha temporal dita ‘correta’ nos eixos, impedindo e neutralizando quaisquer ameaças, leia-se variantes, que se coloquem no caminho.

Esta temática está longe de ser nova, é retirada diretamente das comics. Ainda assim a forma como é colocada em prática, conseguindo explicar de forma intuitiva, a um público casual e pouco pontual nestes assuntos, foi bem executada. Ao montar um cenário, onde os Time-Keepers, alegados criadores da TVA, almejam manter a linha cronológica no lugar certo, de nome Sacred Timeline a tudo o custo, a série vai dando, felizmente, pequenos passos para se soltar progressivamente das amarras criativas da fase anterior do MCU. E isto fica claro, quando uma das personagens menciona que as Infinity Stones servem apenas como meros pisa-papéis…

Por detrás desta capa louvável de “guardiões da linha do tempo”, encontra-se um conjunto de indivíduos bastante particular, começando desde logo por Morbius (Owen Wilson), que ao ganhar um certo fascínio pela persona do Deus da Mentira, acaba por se envolver numa sequência de eventos que vão dar a origem  à colaboração de Loki na TVA. No final das contas, Morbius serve como uma espécie de mentor, do protagonista e do próprio espectador, ao ser o mecanismo que move e introduz os vários elementos fantásticos que se vão revelando.

Uma boa surpresa foi Miss Minutes (Tara Strong), embora com uma presença escassa, consegue deixar uma impressão forte e bem humorada, ao servir quase como uma mascote da TVA, uma espécie de Vault Boy da série Fallout, à sua maneira. Sendo como referi um local fortemente burocrático, com regras e procedimentos para o mais ínfimo processo, a TVA acaba por ser também palco de situações recorrentes de alívio cómico ao longo da série, remanescente de produções como Brazil (1985).

Já que falei em influências criativas está estampado na série um tom muito particular, que adorei, que vai buscar tanto a Doctor Who (2005), a X-Files (1993) e até, a seu jeito, a Rick And Morty (2013), pelas ideias alucinantes que traz à tona. Esta mistura aguçada de vários géneros e subgéneros de ficção científica dá a Loki (2021) uma tonalidade única no serviço do Disney Plus, e inigualável em qualquer outro filme ou série do MCU, facto este que é simplesmente impossível de não exaltar.

Encarregue de supervisionar a TVA, encontra-se Ravonna Renslayer (Gugu Mbatha-Raw) na patente mais alta da organização, servindo também como juíza dos detratores do tempo. Como quero evitar ao máximo dos máximos, revelar muito mais para além do primeiro par de episódios, refiro que o foco recaí, numa investigação acerca dos variantes, mais especificamente, variantes de Loki.

Sendo por isso crucial à TVA a colaboração do protagonista, porque ninguém melhor do que o próprio Loki para se conhecer a si próprio, de forma a encontrar o responsável pelas anomalias temporais, chamadas de Nexus, isto é, de desvios daquilo que é a linha cronológica de eventos correta. A colaboração de Loki e Morbius, ao longo da série, resulta numa dupla de personagens, cujas motivações apesar de diferentes, entregam uma relação genuína.

Há espaço, no meio desta aventura cósmica, para momentos emocionais, que acabam por acarretar numa evolução clara de Loki, que se distancia a passos largos daquela que vimos por exemplo em Thor: Ragnarok (2017). Claro, que por se tratar do Deus da Mentira, nem tudo é tão óbvio, o próprio espectador poderá ser envolvido na teia de manhas e manipulações desta personagem, não sabendo por vezes, se aquilo que o mesmo diz e acredita é de facto verdade ou uma forma audaz de passar a perna à TVA, e isso é bastante ousado, por parte de Waldron.

A longevidade da série é adequada, com apenas seis episódios consegue entregar uma experiência concisa. No entanto, um dos episódios acaba por abrandar o ritmo, ao ficar um pouco aquém dos restantes, servindo mais como um interlúdio do que está por vir, refiro-me ao terceiro episódio. De resto todos os episódios conseguem surpreender e estar recheados de informações que movem a narrativa adiante. Loki (2021), tal como Kevin Feige gosta de fazer, está imerso em referências e easters eggs das mais variadas formas às comics e aos restantes filmes, podendo algumas indicar novas ideias que possam estar a caminho.

Por falar nisso, e evitando spoilers, há todo um gancho muito bem colocado, aquando do final, que serve de mote à próxima fase quatro do MCU, sendo por isso uma ponte com Doctor Strange In The Multiverse of Madness (2022) e Spider-Man: No Way Home (2021). Por último, não esquecendo as questões técnicas, elogio a banda sonora que tem uma sonoridade muito própria, evocando uma aura semelhante a X-Files (1993), que acompanha subtilmente a ação em tela.

Os efeitos especiais estão par a par com o universo cinematográfico, tal como WandaVision, embora a série não esteja propriamente voltada para as questões gráficas viscerais, mas sim para a narrativa. A direção também não desilude, uma vez que Kate Herron faz um trabalho acertado, especialmente na edição e transição entre cenas, que em alguns momentos elevam a fasquia das produções anteriores.

Loki (2021) era a série que menos estava interessado desta nova leva, mas rapidamente se tornou a minha favorita do MCU, e uma das melhores produções do Disney Plus. Por outra perspetiva serve também como porta de entrada, e fio condutor de ideias, de tudo aquilo que está por vir, quer nos filmes (Thor: Love And Thunder), quer nas séries (What If?). Abraça uma grande fatia do lore místico da Marvel Comics, sendo por isso uma envolvente história de ficção científica, com muitos sobressaltos e emoções pelo caminho.

A atuação de Tom Hiddleston leva a série às costas, juntamente com uma realização de excelência, que fazem esta produção ser obrigatória para todos os fãs da Marvel, estando por isso mais do que recomendável! Se ainda não a viram, façam-no, pois tudo o que virá no MCU, a longo prazo, terá esta série como ponto de referência. Até porque o sucesso da mesma, garantiu-lhe já uma segunda temporada.

Positivo:

  • História e premissa;
  • Tom Hiddleston;
  • Brilhante mistura de vários subgéneros de ficção científica;
  • Dezenas de easter eggs e referências às comics;
  • O espectador acaba também por ficar preso na teia de manipulação de Loki;
  • Qualidade da realização;
  • Surpresas e revelações ao longo da série;
  • Serve como porta de entrada para o que está por vir a longo prazo;

Negativo:

  • O terceiro episódio destoa dos restantes;

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