Análise – A Metamorfose dos Pássaros

Uma das lacunas que sempre fiquei de preencher nesta minha efêmera passagem pelo mundo do cinema foi a das obras nacionais. Desde meados do ano passado que o nome A Metamorfose dos Pássaros (2021) tem estado em voga em alguns dos espaços e grupos que frequento, ao ponto de ter sido convencido a visualizar este filme português. Trata-se da primeira longa-metragem de Catarina Vasconcelos, que havia dado os primeiros passos na área através da curta, Tristeza Virada do Avesso (2014). Além de dirigir, Vasconcelos também atua neste filme, que já fora reconhecido e premiado em inúmeras ocasiões, em especial no Festival de Cinema de Berlim.

Esta não vai ser a habitual análise que aqui costumo escrever. Tanto que vou abster-me de colocar os convencionais pontos positivos e negativos no final. Mas do que se trata ao certo A Metamorfose dos Pássaros (2021)? No âmago da narrativa está uma família portuguesa, uma real, a da própria Catarina Vasconcelos. Abrange três gerações distintas, que se unem pela morte de duas mães. Os avós da realizadora casaram novos. Beatriz permanecia em terra a cuidar dos seus seis filhos, enquanto que Henrique permanecia no mar, enquanto oficial da marinha, por longos períodos de tempo.

A geração seguinte tem como foco Jacinto, pai de Catarina, o mais velho de seis irmãos. A narrativa acaba por se dividir nestes dois polos, que se intersetam, como referi, através da morte de duas figuras maternas. Muito daquilo que é transmitido ao espectador aconteceu na realidade, já outros momentos são fruto de um exercício fictício, de “e se” por parte da realizadora, nomeadamente o nome de algumas figuras que vão surgindo no desenrolar do filme. A infância da realizadora é também um campo de estudo para retrato da época.

Pois, embora se trate de algo íntimo, é também um quadro aberto para as memórias de muitas pessoas que vivenciaram aquela era. Desde o papel da mulher ao colonialismo, tudo tem o seu devido peso, tornando a experiência muito mais palpável e identificável. Outros momentos são de tal forma simbólicos que levarão o espectador mais atento, a fazer paralelismos com a sua própria realidade. Em particular com a forma como se lida com a morte, e como esta se repercute no tempo, e deixa vestígios em quem a relembra no presente.

O que me leva a considerar, A Metamorfose dos Pássaros (2021) uma espécie de terapia da própria realizadora para consigo mesma. Não apenas partilhando e abrindo uma página da sua vida para com o público, mas simultaneamente criando uma memória eterna de tudo aquilo que a sua avó Beatriz, significou e era. Há vários momentos contemplativos, desde o começo, que nos deixam num estado de quase hipnose. E ito só é possível graças à aplicação da fotografia, que emula a visualização de um documentário.

Praticamente todos os frames dão um papel de parede primoroso. Se juntarmos a isto, a envolvência de elementos da natureza, temos uma experiência audiovisual arrojada e, a meu ver, única no meio. Não há palavras suficientes que consigam descrever ou transmitir com precisão aquilo que A Metamorfose dos Pássaros (2021) é. Daí a minha dificuldade inicial em pegar nesta análise, e tentar descrever o que vi. Já corri todo o tipo de estilos e abordagens no que toca a formas como se faz Cinema pelo mundo fora, e desde que vi esta longa-metragem, que estou convicto que dificilmente irão encontrar algo, remotamente, semelhante.

Claro que alguém que nasceu e cresceu em Portugal terá uma envolvência e entendimento muito maior do filme, do que alguém que o vê de fora, e que a nós é muito próximo. Facto este que poderá ser o principal entrave de conseguir se destacar, ainda mais, a nível internacional. Mas colocando isto de parte, não lhe retira qualquer tipo de mérito. Voltando aos aspetos técnicos, a dita cinematografia é complementada com uma narração ilustre, servindo de principal guia narrativo.

Por mais que o que vemos seja relativo à interpretação de cada um, o que se ouve não podia ser mais claro. Há toda uma aura de poesia que embeleza esta longa-metragem, por si só, já transcendente. E não é qualquer realizador que consegue criar uma receita tão equilibrada, e ainda subverter alguns dos aspetos que damos como garantidos quando assistimos um filme. De frisar que fui bastante fã da escolha de 4:3, que cada vez faz mais falta no meio, e é sempre bom termos maior variedade em algo que parece tão simples.

Cada um retirará o que entender de A Metamorfose dos Pássaros (2021). Dependendo do vosso grau de proximidade, poderão retirar verdadeiras lições de vida, outros poderão entender melhor o que se passa à sua volta, e ainda há quem apenas se queira deixar envolver numa história de uma família portuguesa que tanto tem a dizer.

Seja qual for a vossa posição, dificilmente ficarão indiferentes. Assim escusado será dizer, que é mais do que recomendado da minha parte. Vale a pena ser assistido, não só por todas as qualidades que já mencionei, não só pela genialidade de Catarina Vasconcelos, mas principalmente, por darem uma chance ao melhor que se faz por cá.

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