Kingsman: The Secret Service (2014) conseguiu captar as atenções, ao inovar um género já muito saturado, tornando-se num dos mais memoráveis filmes de ação da década passada. Tamanho sucesso abriu portas para que um universo cinematográfico muito maior se costurasse nos bastidores. O qual tomou forma a partir da sequela, Kingsman: The Golden Circle (2017), que embora tendo um resultado muito abaixo do esperado, por parte da crítica e do público, o plano manteve-se de pé. Reflexo disso, é a longa-metragem que aqui temos, trata-se de uma prequela, The King’s Man (2021), realizada por Matthew Vaughn (o responsável por todos títulos da série), que explora o passado da maior agência de serviços secretos britânicos.
No artigo que fiz dedicado a este título há uns meses, referi que o plano de transformar numa franquia era ainda cedo, pois sucessivos ‘fracassos’ podiam resultar na sua morte precoce. De uma forma ou de outra, e já me antecipando, The King’s Man (2021) embora tenhas as sua qualidades, acaba por ser mais um desfecho agridoce. Onde forçosamente tenta replicar a magia da contraparte de 2014, com pouco êxito. Seja como for, esta prequela foi produzida pelo Marv Studios e distribuída pelo 20th Century Studios, e chega esta semana às salas de cinema.
Devido ao facto de ser uma prequela, ambientada naturalmente antes dos eventos de ambos os dois filmes, a narrativa acaba por incidir num período novo. Trata-se da Primeira Guerra Mundial, onde irá ocorrer a gênese da organização Kingsman. Só que ao contrário do que seria de pensar, a história abraça vários elementos chave deste período histórico, criando embasamento para inúmeras peripécias que envolvem as personagens ficcionais. As intrigas entre os três governantes mais importantes deste período, King George (Reino Unido), Kaiser Wilhem (Alemanha) e Tsar Nicholas (Rússia), é o conflito principal da história. A título de curiosidade são todos interpretados pelo mesmo ator, Tom Hollander.
O filme não tem medo de abordar as questões políticas da época, facto este que pode afastar os espectadores que procuram uma experiência mais simples, semelhante ao original. Por outro lado, a meu ver, torna o mundo de Kingsman mais credível, do quão impactante é a influência da organização no mundo. Em todo caso, o núcleo narrativo foca no aristocrata britânico Orland Oxford (Ralph Fiennes), um pai desmedidamente protetor do seu filho, Conrad (Harris Dickinson). Juntos irão envolver-se numa conspiração mundial muito maior, que tem como alvo o destino de várias nações da Europa.
O conflito do filme tende a desenvolver-se a partir de sucessivos saltos no tempo, fazendo com que algumas situações sirvam apenas para mover a narrativa adiante, ao invés de efetivamente, construir em torno das personagens que estão em cena. Nos poucos momentos em que dá espaço às personagens para interagirem e respirarem, resultam nas melhores cenas do filme. Nomeadamente toda a sequência na Rússia, que envolve a melhor personagem de The King’s Man (2021), o Grigori Rasputin (Rhys Ifans). A sua presença rouba todas as atenções, cujo payoff resulta numa incrível cena de luta, com o humor característico desta série de espionagem.
O duo de protagonistas conta com o auxílio dos seus servos, Polly (Gemma Arterton) e Shola (Djimon Houson), os quais lamentavelmente ficam na sombra do roteiro, nas quase duas horas e meia de filme. Ainda assim perto do clímax, conseguem ter algum destaque. O restante elenco secundário, vai e vem, sem grande repercussão, tal como o ator veterano, Charles Dance enquanto Herbert Kitchener, e o seu ajudante, Morton interpretado por Matthew Goode. Grande parte das personagens serve o seu propósito narrativo, contudo, a falta de relevo neste quesito, reverte numa experiência algo vazia.
Para além da sequência com Rasputin, destaca-se ainda a cena nas trincheiras com Conrad, sendo possivelmente a de maior tensão e imprevisível de todo o filme, e até arrisco dizer, de toda a série Kingsman. Para além de render bons seguimentos de ação, lembrando clássicos de guerra, como All Quiet On The Western Front (1930) ou contemporâneos tal como 1917 (2019), contêm vários elementos do core que conquistou tanta pessoas há sete anos. Quase que estamos a assistir à construção de uma fórmula própria da franquia. O que me leva a outro senão. Na prática, The King’s Man (2021) tem muito pouco de ‘Kinsgman‘, para além de um bom par de cenas e momentos.
Mas mesmo as novidades que fogem à regra, têm pouca personalidade, revertendo a experiência de para toda uma superficialidade de típico blockbuster do momento. O que em todo o caso vai totalmente contra a proposta original de Vaughn. Fazendo-me de advogado do diabo, e sendo eu próprio um grande fã dos outros dois filmes, apesar de tudo, ainda é um filme perfeitamente digerível. Só que após uma queda de qualidade com o filme de 2017, e repetir-se novamente um cenário semelhante com The King’s Man (2021), é uma desilusão, indo ou não com poucas ou muitas expectativas. Quem for à procura dessa tal novidade e originalidade do que viu na aventura com Eggsy, dificilmente a conseguirá encontrar.
Ainda no que diz respeito à parte da narrativa, visto que pai e filho dividem o tempo de antena como protagonistas, torna-se evidente que é Ralph Fiennes quem consegue prender a atenção do espectador e corresponder às expectativas quanto à sua atuação, mesmo que envolvido num enredo com as falhas que mencionei. Já, Harris Dickinson consegue atingir o pico de desenvolvimento da sua personagem, por volta da metade do filme, tendo dos momentos mais desafiantes e surpreendentes da série. No entanto, a sua atuação está longe de ser convincente.
A história em si é atrativa, mas por vezes, perde o compasso, e destoa-se completamente, no sentido de cimentar a presença de outras personagens que pouco ou nada irão acrescentar mais à frente no filme. Especialmente Erik Jan Hanussen (Daniel Bruhl), conselheiro de guerra do Kaiser alemão, bem como, o vilão mistério da vez. E claro, não podia faltar uma ameaça e/ou inimigo incessante, neste género de filmes.
Só que ao contrário do que tem sido regra, como se viu nos últimos dois antagonistas, de existir alguma desconstrução do arquétipo de némesis, aqui é o exato oposto. Uma vez que aqui repete, em quase todos os aspetos, as marcas de um típico vilão maquiavélico de filme de ação. Somente para incluir uma reviravolta que pouco efeito nutre no panorama geral da história, embora ainda assim, sendo inesperada. Fora isto, o humor marca também presença, ainda que em menor grau, e menos intrusivo no tom desta longa-metragem. A nível técnico há exceção do que foi dito antes, não há nada adicional de pertinente a apontar.
The King’s Man (2021) é mais uma entrada na série, que fica muito aquém daquilo que se espera de uma experiência similar ao filme de 2014. Ainda que tenha um elenco de peso, e mantenha um tanto da mesma base com os outros títulos, o restante corpo desta prequela deixa a desejar por muito mais. Ainda que esta análise tenha ratificado as numerosas atribulações do desenrolar da narrativa, no final do dia, ainda é um filme de ação aceitável, que irá agradar quem espera ser entretido por algumas horas.
Já quem espera a originalidade, subversão e tom perspicaz daquilo que marcou Kingsman: The Secret Service (2014) não terá a mesma dose replicada. Até porque em última análise, The King’s Man (2021) é um filme de ação de espionagem, que por acaso inclui alguns elementos da franquia, ao invés do oposto. No entanto, não adianta, como se costuma dizer, ‘chorar por leite derramado’, portanto, espera-se que Kingsman 3 recupere a aura daquilo que fez o começo desta, agora, franquia excecional.
Positivo:
- Enredo interessante;
- A sequência de cenas na Rússia e nas trincheiras são o auge do filme;
- Certos momentos de humor bem colocados;
- Coreografia e uso da câmara nos duelos de espadas;
- Rasputin é, de longe, a melhor personagem;
- Uma parelha de cenas de ação visualmente incríveis;
- Correto aproveitamento do contexto histórico para criar momentos inusitados..
Negativo:
- …no entanto, a componente política pode desinteressar o público casual;
- Experiência ainda que reminiscente, tem muito pouco da alma de ‘Kingsman‘;
- Execução da reviravolta final;
- Harris Dickinson não convence no papel;
- Estrutura narrativa demasiado dispersa;
- Encobre-se dos convencionais clichês de um típico blockbuster de ação;