Análise – Raya And The Last Dragon

A maioria dos filmes que ficam vários anos na fase de pré-produção, ou acabam por nunca ver a luz do dia, ou quando são lançados entregam uma experiência aquém do que seria esperado. No entanto, as poucas exceções a esta regra, acabam por ser verdadeiras pérolas no meio cinematográfico, e Raya And The Last Dragon é um ótimo exemplo disso. Para além disto, a situação atual do mundo não tem contribuído para a divulgação e promoção adequada deste filme, sendo que a sua estreia foi transferida exclusivamente para o Disney Plus, salvo certas exceções, o que provocou que a sua chegada ao serviço passasse por baixo dos radares de muitas pessoas.

Como nota pessoal, na última década os filmes produzidos pelo Walt Disney Animation Studios, não me têm agradado tanto como os clássicos de outrora, o que tem contribuído de forma gradual para o meu desinteresse total nos mesmos. Mesmo assim, e ao contrário do que pensava, Raya And The Last Dragon foi uma agradável surpresa, somando o facto de que, devido ao tal desinteresse pessoal que mencionei, consegui entrar nesta experiência sem saber praticamente nada do que seria abordado, o que reforçou ainda mais a minha recepção positiva ao mesmo.

Pondo de lado estas questões, Raya And The Last Dragon sob a direção de Don Hall, é o 59º filme do estúdio e o primeiro em cinco anos que não é uma sequela, sendo algo totalmente original. Embora seguindo o mesmo padrão, de obras como Frozen (2013) ou Moana (2016), em colocar um filme de animação às costas do protagonismo de uma personagem feminina forte, Raya And The Last Dragon consegue distanciar-se drasticamente destes últimos, ao construir Kumandra, um mundo vasto, rico em detalhes e alusões à cultura oriental e não só. E Ainda que há primeira vista esta concepção possa parecer simples, ao somarmos isto a um ritmo narrativo dinâmico e a uma história original completa com uma mitologia própria, o caso muda de figura.

O filme abre com uma breve introdução, que explica todo o contexto que dá mote à história de Raya: Kumandra é uma região abundante em recursos e vida, protegida por dragões, mas que ao ser atacada por uma força maligna, de nome Drunn, capaz de transformar tudo o que toca em pedra, os dragões acabam por sofrer do mesmo destino. Somente um dragão, Sisu que nos últimos instantes de vida, sacrifica-se ao usar o que resta da sua energia para criar uma esfera, que expele toda aquela estranha ameaça de Kumandra. Consequentemente, devido à ganância da raça humana, ocorre uma luta pelo poder da tal esfera, a qual é deixada às mãos da tribo de Heart, e as restantes quatro tribos lutam para alcançá-la.

Milhares de anos se passaram, e a situação de guerra entre tribos perpetua-se na terra de Kumandra. Já na tribo de Heart, Chief Benja treina a sua filha Raya, esperando que a mesma seja capaz de no futuro, proteger a esfera, acreditando que um dia as tribos se irão unir novamente. Certa ocasião origina-se uma desordem entre todas as tribos, que resulta na destruição e fragmentação da esfera em cinco pedaços, que acabam divididos pelas cinco tribos, respectivamente. Contudo, tal destruição da esfera causa o despertar da entidade Drunn, que põe em causa novamente a terra de Kumandra, ao petrificar toda a vida que surge no seu caminho.

Assim é a história que apresenta Raya, seis anos após estes eventos, ao tentar unir uma vez mais o povo de Kumandra. Para isso parte numa jornada, para reviver Sisu, acreditando que o mesmo lhe poderá ajudar a recuperar os restantes fragmentos da tal esfera. Toda esta descrição pode parecer de alguma redondante, mas o filme tem muito mais que se lhe diga para além disto, e embora siga de perto algumas temáticas já comuns no meio cinematográfico, acaba por compensar ao dar-lhes outro olhar invulgar e amplo, espelhando até o mundo atual.

Sendo Raya quem carrega parte do nome que dá título a este filme, é a mesma que tem um grande espaço e tempo para se desenvolver, levando em conta os saltos de tempo presentes (entre criança e adulta), e o próprio amadurecimento da personagem ao longo do filme. Raya é, sem dúvida, uma personagem de carácter forte, com impulsos justificados e reais, que consoante o decorrer da história podem incitar a várias reflexões no público. E é esse outro ponto que joga muito a favor do filme, pois aqui a mensagem liga todas as personagens e situações em torno de uma mesma harmonia espiritual, sendo uma catarse até para o próprio espectador. Acima de tudo a mensagem comunica bastante com a atualidade, daí o seu carácter reflexivo.

A mitologia elaborada para esta história faz lembrar e muito, outro universo o de Avatar: The Last Airbender, que para além das óbvias evidências, tem também uma mensagem condizente com o mesmo. Em acréscimo toda a construção de mundo de Kumandra constitui uma representação de várias culturas orientais, sendo por isso possível tecer várias comparações, não só ao nível da banda sonora, como do próprio visual gráfico. Por falar nisso, o estúdio conseguiu exceder-se e alavancar a passos largos, a qualidade da animação para um novo patamar, sendo utilizada praticamente uma tecnologia, que em certas ocasiões, emula quase um fotorealismo da natureza, sobretudo da água e da florestação.

Voltando à banda sonora, vale ressalvar que ao contrário do que se possa pensar, felizmente, Raya And The Last Dragon evita ter elementos musicais e/ou composições cantadas durante a história. Por oposição, opta por favorecer o pacing do filme, ao colocar faixas mais rítmicas e adequadas à ação em tela. Assim comunicando bastante da sua essência melódica com um estilo aventuresco, similar àquilo que se poderia esperar de um filme ala Indiana Jones, e tudo o que isso implica, nos mais diversos elementos da narrativa.

Em relação à natureza do género cinematográfico de Raya And The Last Dragon, a própria forma como a história é abordada, favorece a direção geral do filme. Assim o espectador é envolvido num fluxo narrativo constante, com algumas exceções para momentos mais reflexivos, onde salta de cena em cena, com a total naturalidade. Dando um outro sentido à típica estrutura que o estúdio por detrás do filme tanto se habituou, contribuindo até para renovar o próprio público-alvo.  Consigo assim afirmar que a escolha de se ter optado por um filme voltado para a ação, irá trazer não só uma nova camada do público mais jovem, como também puxar outra parte da audiência mais velha que se havia entediado com os  elementos românticos e melodramáticos, presentes especialmente, em filmes como Frozen (2013) e Tangled (2010).

Sendo por isso as cenas de ação outro ponto alto de Raya And The Last Dragon. Além de estarem visualmente incríveis, entretêm e deixam o espectador preso à cadeira, na forma como todos os elementos saltam à vista. Por outro lado, a escolha de introduzir sucessivas personagens secundárias que acabam por embarcar na jornada de Raya, não foi de todo a melhor. Se por um lado, a longevidade do filme não permite que todas tenham o mesmo desenvolvimento, por outro lado, as personagens que deveriam ter tido mais tempo de antena acabam por não tê-lo, sobretudo, Sisu que apesar do papel crucial na história, gostaria de ter visto mais sobre a mesma.

Em termos de personagens, não há como negar que Kelly Marie Tran faz um extraordinário trabalho de voz, levando em conta a sua prematura carreira na área, enquanto intérprete de Raya. Outro elemento a destacar e que espero que seja um marco daqui adiante neste tipo de produções, é não haver explicitamente um vilão. Pois de maneira mais audaz e inteligente, Raya And The Last Dragon consegue criar uma ameaça presente com as criaturas de Drunn, e ter outra camada de antagonismo entre Raya e Namaari, cuja catarse perto do desfecho liga toda a história de forma harmoniosa. Mesmo que o espectador tenha claramente um lado na mesma, as escolhas narrativas acabam por favorecer uma elucidação e compreensão do outro lado da moeda.

Depois disto tudo, o que mais há a dizer sobre Raya And The Dragon? Além de ser uma magnífica e agradável surpresa vinda dos estúdios Walt Disney Animation, está a ser um verdadeiro sucesso (e consenso) por parte da crítica internacional, como há muito não se via no meio. Se mesmo depois desta análise, há quem não tenha ficado convencido, volto a reforçar que o filme irá certamente surpreender até mesmo aqueles que ficaram mais cépticos com os últimos trabalhos entregues pelo estúdio em causa, sendo uma experiência mais do que recomendável a todo o público. Acredito que Raya And The Last Dragon seja uma nova estaca no vasto legado de qualidade da Disney, e um passo a mais naquilo que possa vir a ser o futuro dos filmes de animação desta década.

Positivo:

  • Mundo de Kumandra bastante diversificado e repleto de detalhes;
  • Qualidade da animação extraordinária;
  • Banda sonora;
  • Cenas de ação;
  • Antagonismo entre Raya e Namaari;
  • Mensagem da história;
  • Cativante até para um público mais adulto;
  • Raya consegue ser uma personagem real com motivações credíveis;

Negativo:

  • Abundância de personagens secundárias acaba por atrapalhar mais do que contribuir para o desenvolvimento da história;

 

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