Análise – Days Gone (PC)

Esta será uma nova análise de Days Gone, agora para PC, mas para começar, quem quiser ver a nossa análise de quando o jogo saiu, têm-na aqui.

E eis a coisa engraçada de ler uma análise – é algo pessoal. De facto, gostei tanto deste port que quis mesmo jogá-lo com calma, para poder dar uma perspetiva fiel e isenta de um jogo, que é considerado como um flop da Sony e um que leva por tabela os sucessos, consecutivos, de Uncharted, God of War, The Last of Us e Ghost of Tsushima. Depois das recentes informações sobre a descontinuação desta franquia de Days Gone, diria mesmo que acabei de jogar o “patinho feio” da PS4.

Felizmente, veio para o PC.

Ora, o Bend Studio, acaba então por não ter muitos trunfos na manga para continuar a franquia e, certas comparações até fazem algum sentido. Afinal de contas, o estúdio já tinha experiência prévia com uma franquia AAA da Sony, pois desenvolveu Uncharted: Golden Abyss, para a PS Vita. Com esse projeto, tiveram a supervisão da Naughty Dog e acesso às suas instalações dos jogos anteriores. Quem é o estúdio que não recicla material?

Sim, é normal que algumas ações, movimentos, interações em tempo real, [etc…] passem por várias gerações, até. De qualquer forma, vamos passar à parte mais técnica. Pessoalmente, uso um computador com um Ryzen 5 2600 e uma RTX 2060, portanto um pouco acima do recomendado, no entanto, joguei na definição alta, e raríssimas foram as quedas de frames. O que mais me surpreendeu mesmo, foi a renderização à distância: Nada de pacotes de imagens a serem readaptados pela aproximação ou notar, sequer, uma única vez esse atraso. Pelo contrário, no Death Stranding, mesmo a pé, notei frequentemente essa falha. Algo que me confundiu, foi que na segunda zona do jogo, foi onde encontrei mais problemas destes.

Não entendo muito de tecnologia, mas parece que o port foi mesmo bem polido para estar disponível, agora, na Steam.

Deacon na sua moto, a enfrentar um grupo de Corredores

De qualquer forma, vamos passar para o jogo, propriamente dito. O grande problema da falta de interesse foi o tópico e plot em si, Zombies, e entendo perfeitamente, mas discordo totalmente, que este seja um ponto fraco. Pelo contrário, o jogo é até um exemplo de que uma mecânica nova, ou velha, pode ser positiva, ou negativa, dependendo do seu uso e interligação no ambiente. Os zombies, aqui, denominados de Freakers, são bem mais vivos e presentes do que em qualquer outra franquia. Os freakers não são desgastados na história e, para quem se deu ao trabalho de ser paciente e completar a história da NERO a 100%, sabe bem que os mesmos seriam e, acabaram sempre por ser, um veículo, para todos os enredos em Oregon.

No entanto, o nosso protagonista, Deacon St John, é o ponto fraco do jogo. Existem vários tipos de escrita e, aquele que melhor apela ao leitor, é onde o protagonista passa por um momento de revolta e altera a sua maneira de ser, agir e pensar. Uma escrita de reação. Isto é visto em Joel, em The Last of Us, com a Ellie. Em God of War com Kratos, acompanhado de Atreus. É onde temos um maior espelhamento de personalidade, portanto, é onde estamos na presença de uma dicotomia. No qual o escritor nos coloca a dúvida na cabeça e faz-nos perguntar – e agora, que faria eu? E, normalmente, a resposta mais confortável é dada. Por oposição, aqui, não temos nada disso, pois Deacon St John apenas é um homem de uma só nota. Um só som. Deacon, onde os outros duvidam e têm dúvidas existenciais, Deacon, não duvida, apenas age. Isso é um pouco explicado no jogo, tem um passado militar, onde não é suposto fazer perguntas, apenas fazer aquilo que tem que ser feito.

Quando o mundo vira de pernas para o ar, Deacon, é dos primeiros a estar no sítio certo, para o bem dos seus companheiros. Sem hesitar, Deacon toma as piores decisões do jogo, sem sequer comentar, ou justificar. Está feito. Foi feito. Se matou? Se salvou? Deacon, não faz estas perguntas, só avança. É aquele arquétipo de protagonista calado e tácito, que nunca sabemos o que pensa, o que dificulta a ligação emocional que, normalmente, uma história destas, nos traz. Um protagonista oco e sem grande profundidade explícita.

Contudo, como é normal, um protagonista vazio tem que ser enriquecido por aquilo que o rodeia, em função disso, obviamente, é aqui que Days Gone aposta, e coloca o barulho todo de cartas em cima da mesa. Também foi aqui que se tornou possível ver os clichês mais batidos e badalados, desviados e sarcasticamente explorados, pelo Bend Studio. Não interessa se os zombies já estão fora de moda. Não interessa que a banalização do “amor vence tudo” esteja sobre utilizado. A roda não vai ser reinventada, mas não é desculpa, que esta seja trabalhada, e no melhor dos cenários melhorada.

O melhor de tudo, foi mesmo a chapada de luva branca que me deu, enquanto estava a navegar numa história de amor: esperava o óbvio e estava a ficar, profundamente, chateado pela falta de tal resolução. Cheguei mesmo a entrar num campo sarcástico, de tão óbvio que seria. Pensei mesmo que iríamos ter o típico “boy meets girl“. O problema, foi pensar mesmo isso. Jogos para rapazes e raparigas, para um público alvo mais jovem. Não, houve uma clara recusa de isso acontecer e não porque isso jamais aconteceria, mas o facto é que, aconteceu. Contudo, ocorreu, no tempo e momento certo, mas não como rapaz e rapariga, como, genuinamente, homem e mulher. Como duas pessoas que entendem o seu papel neste mundo, esta é a melhor forma de descrever a chapada que levei.

Saindo um pouco do campo mais pessoal da análise, acho que é justo passarmos um pouco pela parte analítica.

Days Gone, é um RPG de mundo aberto, que como muitos outros, combina elementos cinematográficos, com a história contada através da dita jogabilidade, em forma de missões. Utiliza funções de ataque, com funções furtivas, cabe-nos a nós decidir como enfrentar Oregon. No meio da confusão, temos sempre eventos em tempo real, para escaparmos da morte. Começamos, claro, por uma missão que em nada tem a ver com o que aí viria, pois apenas serve para introduzir o jogador ao sistema, onde nos enquadramos agora. Somos um antigo membro do Clube de Motards, a par com Boozer, dos poucos que sobram, e sobrevivemos ao fazermos uns trabalhos para uns acampamentos. Estes últimos são uma espécie de congregações onde qualquer sobrevivente é bem recebido, desde que, a bem da sobrevivência geral, contribuam para a manutenção do próprio.

Algo similar a, se queres comer, tens que trabalhar para teres de comer. Isto, claro, gera algumas desavenças, ora porque não querem trabalhar, ora porque são tratados como escravos, no seu campo. Depois de nos inteirarmos da simbiose dos acampamentos existentes, eventualmente, irão aparecer os primeiros NPCs no mundo exterior. Teremos algumas condições para os salvar e, se conseguirmos, teremos a opção de os recomendar um campo. Diferentes campos, diferentes recompensas e, última instância, diferentes vantagens. Diria até que, as primeiras cinco horas do jogo, são algo desagradáveis. Falta alguma personalidade aos acampamentos e diria que nos atiram de cabeça para cima deles. No entanto, a nossa preocupação, por volta destas mesmas horas de jogo, já irá estar presa ao Boozer e aos nossos dias passados, desde a nossa separação de Sarah, nossa esposa.

Deacon a fugir de uma horda. Existem, no total, 40, de várias quantidades

As primeiras horas, são de facto, o tutorial. Bastante normal, nesta altura, em vez de termos algo específico para aprender, uma vez que aprendemos com o tempo. Nada demasiado complicado para um RPG que se foca na sobrevivência. A parte mais prazerosa, diria mesmo que é conduzir a mota. Tem uma jogabilidade perfeita para os amantes das 2 rodas e o rugir da mota, está perfeitamente balanceado. Se conduzir em alguns RPGs me pareceu fastidioso, aqui, só o fiz 2 vezes, ambas já no pós-jogo, para completar a história do NERO. O que, ao contrário da norma, o jogo é mesmo apresentado e elaborado por histórias, sejam estas pessoais, íntimas, globais ou externas. Assim, sabemos sempre, mais ou menos, que tipo de missões estamos a fazer e, também, que ligações existem entre si. Uma história pode afetar várias, ou ser de único exemplo. Porém, acima das cinco e até às trinta horas, já devemos desconfiar bastante da história com Sarah e da relação com NERO.

O jogo mantém isto ligado, enquanto nos focamos na relação de irmandade, com o nosso compincha Boozer, após um encontro fatídico, com um grupo antagonista do jogo, os RIPPERs. Um culto de devoção aos freakers, pelo fascínio de deixar para trás o passado. Claro, temos que ter o nosso grupo de lunáticos. Contudo, eventualmente, eles começam a aparecer. O exlibris do jogo, o factor x, refiro-me às hordas: centenas de freakers, quer em peregrinação, ou na sua cave, nada a ver com ninhos, onde aparecem em grupos pequenos. A confusão instala-se. Um jogador “normal”, não está pronto para as enfrentar e acabamos por prestar muito mais atenção aos sons e àquilo que nos rodeia. O jogo, não volta a ser o mesmo, pois um encontro com uma horda é um momento rest in peace.

Por cima das trinta horas já devemos estar a ver o fim do jogo, ou, aquele que pensamos ser o fim. Deve ser a altura em que começamos a pensar melhor no nosso equipamento. Temos três armas de longo, médio e curto alcance, além de uma arma de defesa pessoal. Deixo já uma recomendação aqui – sei que não é a arma mais forte do jogo, mas vá lá, experimentem uma martelada, peguem num martelo e façam dos inimigos toupeiras.

Bem, o jogo caminha para o fim, temos, finalmente, umas lutas de grande importância e uns ódios, além de uns arrependimentos, já estabelecidos. Por volta desta altura, e com a motivação certa, dada por Days Gone, começamos a apreciar mais os detalhes e o mundo circundante. Dá para ver que o Bend Studio, acima de tudo, foi audacioso. O mapa, é enorme. A qualidade gráfica e precisão física é demasiado exigente e, não devendo nada ainda aos jogos mais recentes, dá para perceber o motivo de alguns bugs que ocorreram no passado. Ainda hoje em dia, escrevo do maior jogo já feito, pela Sony, para a PS4. God of War, Horizon Zero Dawn e Ghost of Tsushima não passam das vinte e cinco horas. Uncharted 4 e The Last of Us, não passam das vinte horas. Fui verificar.

Este jogo, foi mesmo ambicioso e ainda bem. Pude experienciar um jogo, nada novo, mas com uma perspetiva livre com um plot já desgastado. O fator mundo livre foi uma vitória. Um mundo rico, diverso e diferente. A cada viagem, um encontro novo, uma mecânica nova, uma invasão, um pedido de ajuda, um item aqui e ali, a continuação de algo já explorado e, a nossa personagem, Deacon, continua no mesmo caminho, sem perguntas ou dúvidas. Por volta do fim, começamos mesmo a entender que Deacon é, de facto, a personagem principal destinada para Oregon. É mesmo um mundo que não precisa de perguntas, mas respostas. Os outros NPCs, tiveram lá para nos questionar a humanidade, para nos fazer questionar a moral. Deacon, teve lá para resolver. e foi nessa onda que o mundo confiou nele.

Um parágrafo à parte para comentar o modo “desafios” do jogo, onde temos vários elementos do jogo, mas vistos por outro prisma. Aqui, as asas à imaginação voaram bem alto, tanto que foram desenterrar o meu saudosismo por Crazy Taxi. Além de que, para os fanáticos, podemos ir num encontro com hordas infinitas. Este modo, também nos abre a possibilidade de jogar com outras personagens como Rikki, Iron Mike, Boozer, etc…

Em suma, dá para entender que gostei bastante do jogo e estou grato por ter tido a oportunidade de tentar-lhe fazer justiça. Foi um RPG que me surpreendeu pela maturidade apresentada e pela nega que deram a vender pelo conteúdo fácil. Houve, certamente, momentos em que o jogo deixou a porta aberta às escolhas mais fáceis, de melhor digestão, mas retraiu-se e manteve o registo sério. Diria que jogaram sarcasticamente com o conteúdo fácil, devido a tantas portas abertas de oportunidades.

Até nos momentos finais, quando abriu porta a um ato mais romântico. Mesmo o diálogo, quer em inglês, quer na adaptação portuguesa, foi construído nas mesmas bases adultas e mais contemporâneas. O jogo não suporta as novas funções de DLSS, nem Ray Tracing, porém, o mundo, nem as qualidades gráficas, pareceram dever algo a ninguém. Infelizmente, pelas últimas notícias, parece que não existirá a sequela, todavia, fica aqui um jogo que agora leva uma segunda oportunidade, especialmente, com um hardware mais capaz. Pelo o que parece, não fui o único a concordar com a melhoria do jogo.

Positivo:

  • Mundo aberto, rico de atividades e diferentes experiências;
  • Plot bem conseguido, mesmo com amigos em comum de outras franquias;
  • Tratamento adulto ao jogador;
  • Esforço por um diálogo natural, sem clichês;
  • Sistema de progressão bastante intuitivo;
  • Rejogabilidade e modo “Desafios”;
  • Um port que salienta a importância de alguns ressurgimentos;

Negativo:

  • Protagonista sem muito impacto na história;
  • Primeiras horas mais lentas;
  • Alguns bugs persistem, junto com alguma inconsistência na segunda parte do jogo.

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