O que diz o Fox? – Artigo 2

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“A vida não é justa, pois não? É que eu… Bem… Eu nunca serei Rei. E tu… nunca verás a luz de outro dia. Hm hm hm. Adieu.” Alguém se lembra disto? Exactamente, é a primeira cena do melhor filme de sempre. E com isto corrijo já uma grave falha assinalada por alguns de vós, no meu primeiro artigo: não referi o Rei Leão. E pronto, já está! Eu corrijo o que for preciso para que os leitores fiquem contentes.

Porque se não fossem vocês a ler, eu não estaria agora a escrever. Do mesmo modo que se não comêssemos ovos, as galinhas não os punham. Isto, meus amigos, é um facto científico. Porque corrigir coisas para o bem dos outros é um acto de prestígio, só ao alcance de alguns. E se agora já é um luxo isso acontecer, vai ser cada vez mais raro, com o passar do tempo. É que o tempo custa dinheiro, meus amigos. O tempo custa muito dinheiro…

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“Quanto mais velho estou, mais rico fico. Viva o tempo!”

No nosso Universo favorito, o dos automóveis, cada segundo é precioso e pode valer um… Como? O vosso Universo favorito não é o dos… Então, mas a mim disseram-me que… Ah… Bom, está bem, sendo assim, corrijo isto também. No nosso Universo favorito, o dos videojogos (agora sim), as nossas exigências valem ouro. E quando sai um qualquer jogo que seja minimamente relevante, é do interesse de todos que este corresponda às expectativas. E se não o faz inicialmente, pode sempre fazê-lo ao longo da sua vida útil, através de correcções que são lançados pontualmente. Assim, a desilusão acaba por não ser tanta com o passar do tempo.

Há três tipos de correcções: as “correcçõezinhas”, as “correcções assim-assim, mas que já dão algum trabalho e que podemos considerar cobrar por elas. Aproveitamos e incluímos lá qualquer coisita extra, para não parecer mal” e as “ok, malta, para mudar isto mais vale fazermos um jogo novo, que acham?” Para poupar trabalho a mim, a escrever, e a vós, a ler, vou referir-me a estas como Correcção 1, Correcção X e Correcção Silva, respectivamente. Talvez ainda desse para encurtar mais, mas, para já, acho que está bom.

A mais comum até há não muito tempo era a Correcção Silva. Aliás, durante bastante tempo nem havia grande hipótese. Se um jogo tinha problemas, só se corrigia no seguinte. E já era muito bom! A quantidade de jogos que havia em que o que mudava era só a cor da vestimenta, não é? Bom, agora de repente não consigo lembrar-me de nenhum exemplo. Se calhar nem há nenhum assim. A Correcção X, por outro lado, veio depois da… Silva?

Ok, esperem lá. Agora é que me apercebi que estão trocadas cronologicamente. Bem, agora já está, já está, que isto começa a tornar-se um pouco confuso. A Correcção X é mais conhecida por “Expansion Pack” ou, no bom português, o “Paque de Expansão”. Sim, eu sei, é “pacote”, mas “paque” é mais “cool” (mais cule, portanto). O paque de expansão surgiu numa altura em que as pessoas já tinham os seus computadores pessoais, já não saíam com os amigos e já tinham aprendido uma palavra nova: disquete (na linha de Cascais escreve-se com dois “T” e, na de Sintra, com “K”).

Estes paques eram (e ainda são) uma boa oportunidade de refrescar um jogo já existente, normalmente a meio da sua vida útil (se é que um jogo se pode considerar “útil”, mas esse tema fica para outro dia) e sem ser preciso investir muito. Nos carros também fazem isso (o malandro do Fox arranja sempre maneira de falar de carros). Exemplificando, eventualmente vai começar a surgir anúncios sobre o “novo VW Polo”, mas não é bem novo – é essencialmente o mesmo carro de há três ou quatro anos, com uns farolins diferentes, entre outros pormenores. Agora chama-se a isto um DLC (downloadable content). Nos jogos, isto é. Nos carros não faz muito sentido.

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If only…

E, finalmente, a Correcção 1, que surgiu por altura do aparecimento da internet – que é um mar especial onde os surfistas iam para relaxar. Inicialmente depois do trabalho e, actualmente, durante o mesmo. A internet permitiu que fossem lançadas pequenas correcções de igualmente pequenos problemas que, não sendo muito graves, comprometiam de alguma forma a experiência de jogo. Ou por boa vontade, ou por terem apressado o produto para o lançamento, a verdade é que estas Correcções 1, ou Pátechezzz (patches), são um excelente serviço ao consumidor e faz-nos pensar que, no fundo, no fundo, eles até se preocupam connosco e com as nossas exigências/pedidos/choraminguices.

Mas esta semana li uma notícia que gerou alguma controvérsia: “Batman Arkham Origins não terá correcções de pequenos erros”. Se ainda não leram, dêem uma vista de olhos. (…) Já está? Boa. Ora, isto é um inverter da situação. Se esta decisão for tomada por mais produtoras, voltamos a ter só a Correcção X e a Correcção 1. Deixamos de ter as vantagens criadas pela magia negra que é a internet e voltamos a ter jogos incompletos, com erros e feitos à pressa.

Qual a desculpa deles? “os erros apontados […] não são bugs ou problemas que afectem o progresso do jogo ou a jogabilidade”. Oh, mas são todos os jogos assim. Digam-me qual o último jogo que jogaram em que um bug vos impediu de avançar. Ok, mas tirando esse? Ah, pois… São muito espertos, eles. E qual é a outra desculpa que deram? “A equipa de desenvolvimento está demasiado ocupada a preparar o novo DLC para poder corrigir estes erros”. Desculpe, como disse? Lançam um projecto com falhas e, sabendo que as podem corrigir, como se fez até agora, optam por trabalhar num outro projecto para o mesmo jogo, que pode muito bem continuar com esses mesmos problemas? Está certo… Isto é muito simples de se explicar e, olhando para o mundo à nossa volta, nem era preciso mas, para o bem de todos nós, apanhei um avião com lugar em Executiva (ok, essa parte foi para o meu bem) e fui fazer umas perguntas aos maninhos em questão:

– Irmãos Warner, quanto ganham com o lançamento de um DLC?
– A big pile of dinheiro. Dinheiro! Dinheiro everywhere… Muahahahah!!
– Ok, e quanto ganham com o lançamento de uma correcção?
– Nothing, rien, nada, nichts, ништа. Perdemos a lot of horas de trabalho e não ganhamos nothing com isso, god damn it!
– E não ganharão outras coisas?
– Que há para win sem ser money-money?
– Dignidade, honra, fãs, tanta coisa… E isso também vos traz dinheiro no futuro.
– The future is muito longe. Nós queremos money and queremos it now!
– Pois, foi o que eu pensei. Um pastel de nata para vós.
– You’re welcome!

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“Não gostas de DLC? E dos meus punhos, já gostas? São grátis!”

Este foi apenas um pedaço de uma longa entrevista que fiz à Warner Brothers. Não correu muito bem e, após alguma troca de insultos, tanto em português como inglês, tive de regressar em classe económica. Bastardos…
O Fox diz que as companhias de jogos, de carros, de computadores, de telemóveis, de televisões, de consolas, de micro-ondas e até de lápis-de-cor estão muito focadas em fazer dinheiro rápido. Senão, vejamos: os lápis-de-cor foram pensados para desenhar, mas devido à maneira como estão feitos, somos obrigados a afiá-los constantemente até que deixa de haver lápis de todo (e de cor) e somos obrigados a comprar outro. Eu sei, é um ultraje. Ninguém parece importar-se com a situação.

Do mesmo modo, os jogos já não são feitos para durar. Quanto mais curto for o lápis – o jogo – mais rapidamente eu vou precisar de outro. E, qualquer dia, o jogo – o lápis – é tão curto que nem vai dar margem para erros. Já não há borrachas para ninguém! Compramos o jogo, instalamo-lo, vemos a introdução e imediatamente os créditos finais. O único erro que pode dar é a consola, que avaria também cada vez mais facilmente. Mas já estou a desconversar… O que quero dizer é que os lápis-de-cor precisam sempre de umas correcções, para que possamos ter um desenho satisfatório. Porque o desenho, como o cliente, tem sempre razão, mesmo quando não tem.

Quando o senhor que está encarregado de fazer o jogo “O Zé vai às compras: A Vingança!” decide que não vai corrigir nada porque não ganha dinheiro com isso, está a ir contra os desejos dos jogadores. E toda a gente sabe no que vai isso resultar, não é? Basta olhar para a Capcom, que, diz ela, nem tem dinheiro para fazer jogos para a nova geração de consolas. Porquê? Porque decidiu que era boa ideia tapar os ouvidos com salsa e não ligar ao que os fãs querem. “Já sei, vamos fazer um Devil May Cry novo.” É uma excelente ideia. Mas a partir do momento em que os fãs reagem constantemente ao que está a ser criado e eles decidem ignorar e dizer: “nós fazemos como queremos e mainada”, naturalmente que não pode dar bom resultado. E não deu. Eu até acho que o jogo está engraçado, mas se não é do agrado das pessoas que realmente importam, então para quê sequer fazê-lo, não é? Assim só lá vai com Correcções Silva…

O Gran Turismo 5 também foi muito criticado pelas suas decisões, mas tem que se tirar o chapéu à Polyphony Digital (olhem eu a dizer bem deles, quem diria) pelo apoio constante que deram ao jogo ao longo de meses, anos… Semanalmente com novas corridas, grandes desafios totalmente gratuitos que prolongaram sobremaneira a experiência de um jogo que, de outra forma, teria morrido apenas um ou dois meses depois do lançamento. O Fox diz que devem estar atentos a estes bons exemplos da indústria, que nos fazem crer que não há assim tanta gente gananciosa por este mundo fora.

O que diz o Fox? é uma rubrica semanal de opinião idealizada e escrita pelo membro FoxRS. Os temas semanais são livres e podem mudar entre cada artigo. Podem sugerir temas e comentar em baixo.

Daniel Silvestre
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