Jogos Esquecidos – Shadow Hearts Covenant

Está na altura de falar de outro dos meus jogos favoritos de sempre que acabou por ficar perdido nos anais da história dos videojogos.

Estamos na era da PS2, a consola está a ajudar a consolidar os jogos em 3D para uma geração capaz de os fazer como deve ser e a maioria dos jogadores são ainda crianças ou entusiastas. GTA está a começar a assumir o seu papel como um colosso, FIFA e PES começam a sua guerra e na Europa, RPG é sinónimo de Final Fantasy.

Estamos numa era dourada de criatividade, mas também numa geração que quer começar a ser vista com outros olhos e a apelar a outras audiências. Os passos que foram dados nas 32 bits mostraram que havia espaço para mais coisas obscuras e para géneros e histórias mais negras.

Até aqui, a grande referência de RPG com conteúdo mais negro é Shin Megami Tensei. Mesmo que a série core tenha aparecido na Europa com Lucifer’s Call, Persona 3 e Persona 4 ainda estão bem longe de ser famosos, além de que são bastante mais “light”.

Coube à Nautilus e Aruze Corp a ousadia de criar um marco da indústria que viria corajosamente misturar JRPG por turnos com terror, o que fez nascer Shadow Hearts. O primeiro jogo tinha claras influencias de Resident Evil, mas a sua mistura de elementos e história não rimaram com todos os jogadores, especialmente os entusisastas do género. Embora seja visto como um jogo de culto, Shadow Hearts abriu caminho para uma sequela que embora mais leve, ia brincar com elementos reais, horror, fantasia e um sistema por turnos brilhante.

Shadow Hearts Covenant foi lançado em 2002 para a PS2 de forma envergonhada e à espera de ser descoberto pelos mais informados. Quem o jogou sabe perfeitamente o quão bom e diferente este Shadow Hearts acabou por ser no mundo dos videojogos.

A capa de Shadow Hearts Covenant cria a primeira ruptura com o tradicional, trazendo a protagonista feminina para a capa em vez do herói, além do mais Karin é uma personagem forte e interessante que tem o papel de fazer com que a narrativa do primeiro jogo avance, algo complexo tendo em conta que a história canon começa do fim mau do primeiro jogo e onde a amada de Yuri morre.

Para tornar tudo ainda mais sombrio, Shadow Hearts Covenant tem lugar durante a primeira grande guerra mundial e o mundo está à beira de uma depressão global. O ambiente é negro, violento e subitamente, temos personagens fictícias e reais a conviver no mesmo universo, a equipa passa por cenários como Paris, Moscovo e Japão e temos aliados como Geppetto e Anastacia na nossa equipa. Rasputtin é um vilão colossal e a prórpia igreja está envolvida em actos do sobrenatural.

Não é fácil “engolir” o conceito de Shadow Hearts Covenant, mas a verdade é que funciona e funciona bem. As personagens são boas e bem exploradas, entre momentos mais sérios e outros mais patetas, sentimos sempre que há espaço para fantasia dentro deste mundo real e o misto entre elementos de horror e algum humor funcionam bem.

Depois temos o sistema de combate que é um dos melhores dentro do género. Eu sou um grande fã de combate por turnos, mas sou fã ainda maior destes sistemas se forem além do modelo básico. À semelhança do que acontece em outros RPG onde temos de tomar acções durante os turnos, Shadow Hearts Covenant usa o Judgment Ring como ferramenta de combate. Este é um anel que gira mais ou menos depressa e onde temos de pressionar nos timmings correctos para acertar e dar ainda mais dano. É um sistema muito bom e que é divertido de fazer, dando mais um objectivo ao combate.

Outro elemento estranho, mas que faz sentido tendo em conta o universo do jogo é o sistema de pânico. À medida que o conmbate avança e dada a carniceria que se desenrola, as personagens podem ficar asoberbadas com a violência e começar a enloquecer. Isto faz com que os combates tenham de ser mais controlados e bem pensados. As personagens ficam cada vez mais resistentes a este estado e podem começar a ganhar mais turnos, o que mostra evolução das mesmas (e talvez o crescimento de alguma indiferença? Conteúdo para outro artigo!).

Chegamos então à banda sonora que é pura e simplesmente brilhante (já usei faixas em vários trabalhos e chegou a ser música do A Pau Com os Ursos). Basta começar pela introdução do jogo que temos logo uma boa impressão, depois temos a música do Menu, a isto juntamos a música de Paris, a música de combate, etc, etc… É uma banda sonora fantástica e embora as vozes em inglês não sejam perfeitas, funcionam bem. Não nos podemos também esquecer das vozes que vão de okay a péssimas, mas que são das melhores que se podia encontrar nesta altura onde isto ainda era novidade nos videojogos. Não se esqueçam que só se passou uma geração desde o “Jill sandwich“.

Shadow Hearts Covenant acaba por ser um jogo de culto que estava anos à sua frente e que apesar de ter recebido uma sequela com Shadow Hearts From the New World, nunca passou exactamente daí e a série desapareceu em conjunto com a Nautilus. Um final trágico para uma companhia com grandes ideias. Pior ainda, Shadow Hearts ficou preso no limbo, o que significa que ou o jogam na PS2, ou em emuladores, pois não foi colocado em lojas digitais.

Esta é uma das situações que mais pesa em relação à questão da preservação, pois Shadow Hearts poderá desaparecer para sempre se os ISO e Roms se perderem. Claro que ainda existe quem tenha o jogo físico (o meu caso), mas é uma peça de história que merecia ser apreciado por muito mais jogadores.

Espero com poucas esperanças que Shadow Hearts venha um dia a ver novamente a luz do dia, nem que seja com um simples remaster. Mesmo que nunca venha a ter um novo jogo, ao menos que seja possível reviver cada um deles a qualquer momento e que novas gerações possam experimentar algo verdadeiramente inovador no género.

Daniel Silvestre
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