Análise – Shin Megami Tensei V

Até à geração da PS2, Shin Megami Tensei era praticamente o nome que ditava as regras no que se regiam os grandes JRPG da Atlus, afinal, este era o nome grande da companhia e o verdadeiro core do que era um JRPG com temas mais maduros. Com Persona 4 e especialmente Persona 5, a tendência foi invertida e o spin-off da série principal acabou por se tornar a grande referência e a verdadeira vedeta do gênero. Por isso mesmo, Shin Megami Tensei V viu ao mesmo tempo a passadeira vermelha estendida pela fama do seu “filho” e um caminho bastante mais pressionado do que teria há 10 anos atrás.

Shin Megami Tensei: Lucifer’s Call (Shin Megami Tensei 3 Nocturne) era um ilustre desconhecido e como tal, não tinha muito a provar. Shin Megami Tensei V tem um legado para manter, uma nova geração com quem competir e havia muito que podia correr mal. Felizmente, os fãs de Shin Megami Tensei podem ficar descansados, porque este novo episódio é exactamente aquilo que eles podiam querer e o assumir de uma postura orgulhosa dos bons e velhos costumes.

Para começar, Shin Megami Tensei V é um jogo negro e com um mundo cruel e isso pode ser visto tanto no tema e cenários, como na própria jogabilidade. O ambiente é limpo e brilhante, mas ao mesmo tempo consegue ser amargo e até desconcertante, com certas músicas a fazer lembrar filmes mais obscuros de série B dos anos 80 e situações que vão contra os dogmas que moldam a sociedade.

Com isto, Shin Megami Tensei V conta também uma história de luta entre Anjos e Demónios num mundo dizimado após uma espécie de Apocalypse. A parte interessante é que já chegámos tarde e a grande guerra já aconteceu, havendo um vencedor e uma sociedade de Demónios totalmentre fracturada.

Tal como em outros jogos de Shin Megami Tensei, também aqui os humanos são o prato mais fraco de toda a refeição. A sua presença é necessária para dar seguimento à história e ligar ao processo de formação do mundo, mas acabam sempre por ser muito menos interessantes que todos os demónios que demonstram uma grande personalidade em quase todos os momentos.

Como demónios que são, alguns dos melhores momentos são claramente feitos pela sua postura e irregularidade. Estes pensam de forma diferente e algumas das leis não se aplicam, por isso tomam decisóes ou agem de forma que seria irracional para um humano. Isto também é bastante óbvio quando estamos a tentar recrutar um demónio para a nossa equipa e temos de o tentar levar na nossa conversa.

Se isto vos parece estranho é porque Shin Megami Tensei V é uma espécie de Pokémon mais negro. Aqui devemos recrutar demónios para a nossa equipa e treiná-los em combate para ficar cada vez mais fortes. O sistema de fusão também regressa e com ele podemos unir um ou mais criaturas para criar demónios ainda mais fortes. É um dos sistemas mais divertidos e recompensadores dentro do género e faz que com se queira sempre procurar pelas melhores fusões e mistura de ataques.

Tal como Pokémon, aqui também os ataques são mais ou menos efectivos e isto resulta no sistema de Press Turn que já existe desde Shin Megami Tensei 3. Aqui, cada vez que nós ou um inimigo conseguem encaixar um ataque crítico ou vantagem por afinidade, ganha um turno extra. Isto faz com que uma equipa consiga dizimar a outra muito mais facilmente caso as fraquezas sejam bem exploradas. Por isso mesmo, não é raro que uma equipa ou boss inimigo consigam fazer-nos ver o ecrã de Game Over dezenas de vezes ao longo da aventura.

Shin Megami Tensei V não é um jogo difícil, mas é um jogo punitivo. Maior parte das vezes que morri foi por estar mal preparado ou por ter menosprezado um grupo de inimigos apenas para poupar um pouco de MP. Estar preparado aqui é a alma do negócio e gravar com frequência é essêncial. Aliás, se forem bons exploradores e forem fazendo boas fusões e usando Items, existem situações onde até é possível abusar do sistema e ganhar grande vantagem sobre um boss, bastando apenas perceber a sua afinidade e preparar a nossa equipa com resitências aos ataques.

Já que falamos dos combates de Bosses, estes são bastante simples, mas requerem pelo menos uma ou duas tentativas para perceber qual o melhor método de acção. É muito raro chegar a um deles e conseguir passar logo à primeira. Apenas gostava que alguns dos combates que acontecem, em especial nas missões, houvesse um aviso prévio, pois o jogo nem sempre dá a entender que vamos ter um boss logo a seguir.

No final de cada combate somos galardoados com experiência e isso permite evoluir a personagem principal e os demónios. No nosso caso, mesmo depois de evoluir podemos adicionar um ponto a uma categoria à nossa escolha. Curiosamente, os ataques e habilidades do mesmo são obtidas através da absorção de essências que vamos ganhando ou apanhado dos vários demónios. Isto permite aprender novos ataques e até ganhar resistências e fraquezas contra outros tipos. É um sistema interessante que funciona bem e que dá bastantes possibilidades de personalização da personagem.

Com cada evolução de nível podemos fazer com que o herói fique mais forte e ainda podemos alocar mais um ponto extra. O mesmo não acontece com os demónios, mas os primeiros níveis que evoluem ainda revam e desbloqueiam novos ataques. Estes ataques estão limitados à quantidade de slots disponíveis, mas é possível aproveitar os melhores de cada um para fundir demónios e criar criaturas bastante poderosas.

 

Por fim, temos os milagres, habilidades passivas que podemos desbloquear com pontos de glória que obtemos de várias formas. Estes milagres são bastante poderosos e mesmo que alguns sejam melhores que outros, saber jogar e aproveitar a mistura entre vários cria boas situações de vantagem. Alguns que usei fizeram toda a diferença, como é o caso de um que cura uma pequena quantidade de HP e MP no início de cada turno e aqueles que permitem ter mais demónios na nossa lista de candidatos.

Apesar de não ser tão longo como um Persona, ainda é possível gastar mais de 40 horas em Shin Megami Tensei V à fazer a história e fazer algumas das missões. Caso queriam fazer tudo como encontrar ainda todos os Minman que dão glória, coleccionar todos os demónios e ver todos os finais, é coisa para ter o dobro ou o triplo do tempo.

Já em relação ao visual, Shin Megami Tensei V usa o Unreal Engine o que lhe dá ainda alguma qualidade e detalhe, porém, não é dos jogos mais impressionantes que já vimos na Nintendo Switch. As personagens e em especial os demónios são todos muito detalhados e com bom visual, mas o mundo dos demónios é quase sempre mais básico do que seria de esperar. Além do mais, as passagens entre o mundo dos demónios e o Tóquio real não favorecem assim tanto o jogo. Deixo destaque para algumas cinemáticas e alguns dos ataques que reagem de forma interessante com os demónios.

A banda sonora é verdadeiramente soberba e tirando uma ou outra música mais irritante, adoro a forma como fizeram a música lembrar os primeiros Shin Megami Tensei, mas com uma sonoridade muito mais actual. É um misto que adoro, mas que não supera mesmo assim a banda sonora de Shin Megami Tensei: Lucifer’s Call que continua a ser das melhores da saga. As vozes são no global bastante boas mesmo na versão inglesa que foi a minha escolhida para a análise.

Apesar de ser uma Master Class em como se fazer um JRPG à moda antiga, Shin Megami Tensei V roça muitas vezes em estereótipos do género e faz lembrar Persona em vários momentos. Uma das grandes vantagens de Shin Megami Tensei: Lucifer’s Call e Shin Megami Tensei IV foi o de nos apresentar mundos bastante fracturados e com acontecimentos diferentes. Ter de jogar novamente com estudantes e visitar a escola ou o “outro” mundo já está demasiado gasto. Já está na altura de termos personagens adultas com outros dilemas tal como foi feito em Shin Megami Tensei: Strange Journey.

Shin Megami Tensei V é JRPG que parece ao mesmo tempo ter parado no tempo e vontade que isso aconteça. Todo o estilo, visual e combate são ao mesmo tempo brilhantemente arcaícos e totalmente actuais, o que é um equilíbrio quase impossível de alcançar. A Atlus conseguiu através de algum pacto com o demónio fazer com que isso acontecesse e o resultado está muito próximo de brilhante. Não é o melhor da série, mas é um claramente um dos melhores.

Positivo:

  • Direcção artística
  • Combate Press Turn continua a ser óptimo
  • Excelente banda sonora
  • Coleccionar e fundir demónios
  • Ambiente negro e sádico
  • Personalidade das personagens não humanas

Negativo:

  • Cenários do outro mundo podiam ser melhores
  • Alguns combates mortais parecem ratoeiras
  • Humanos são o elo mais fraco na história
  • Já chega de histórias com adolescentes no liceu

 

Daniel Silvestre
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