Devia ser organizada uma entidade jurídica que policiasse remakes ou spin-offs dos grandes clássicos. Se é potencialmente perigoso ter uma personagem em trajes menores, não deveria ser “ok” violar tesouros do imaginário sociocultural.
O Feiticeiro de OZ de 1932, realizado por Victor Fleming, é uma das obras-primas da Sétima Arte, trata-se de uma história genuína, pura, inocente, com mensagens positivas e relevantes, suficientemente forte para moldar o caracter de gerações. Dorothy, interpretada por Judy Garland, tronou-se a referência de uma identidade, uma personagem sonhadora e em aprendizagem constante, curiosa pela experiencia e valorização pessoal. Com uma bitola tão elevada, será que Oz the Great and Powerful consegue corresponder à responsabilidade?
A prequela já estava cogitada há algum tempo (há mais livros de Oz para além dos adaptados para cinema), e o processo avançou definitivamente quando a Disney apresentou o realizador. Para desenvolver uma das histórias mais emocionantes do universo dos contos de fadas, foi escolhido Sam Raimi… criador da saga de terror Evil Dead (!?) e autor da trilogia original do Homem-Aranha, obra que permitiu Joel Schumacher sentir-se um bocadinho melhor como ser-humano.
Oz O Grande e Poderoso narra a história de Oz (interpretado por James Franco), um ilusionista marialva de Kansas, que ganha a vida a apresentar espectáculos de ilusionismo. Oz é uma pessoa com inúmeros defeitos, nomeadamente: vaidade; ganância; incapacidade para respeitar os outros; e prazer em ludibriá-los. Após uma série de acontecimentos, o ilusionista arrisca uma viagem de balão e, à semelhança de Dorothy, entra num tornado para ser transportado numa realidade diferente. Oz encontra-se em… Oz, um espaço mágico, com bruxas, espécies invulgares e elementos únicos. Um lugar além da imaginação, regido por uma profecia: Um dia chegará um poderoso feiticeiro com a capacidade para liderar o reino de Oz.
Para além de James Franco, Oz O Grande e Poderoso conta com um leque de actores notáveis. Inacreditavelmente, o filme treme no campo da representação. Talvez seja demérito de Sam Raimi, mas os actores nunca agarram as personagens: James Franco assina um atestado de incapacidade para encarnar personagens com aura mágica e que transmitam charme através da inocência; Mila Kunis (Theodora) não sobrevive a um habitat que foge da zona de conforto, ficando aquém nas cenas com Rachel Weisz (Evanora), e insuficiente nas cenas over the top; Michelle Williams (Glinda) cumpre simplesmente os mínimos olímpicos.
Paradoxalmente, são as personagens secundárias que carregam o filme às costas: Zach Braff (interpreta Frank e empresta a voz a Finley) proporciona alguns dos melhores momentos do filme, com apontamentos genuinamente cómicos e situações comoventes; Master Tinker (Bill Cobbs regressa ao grande ecrã) é o reflexo singular dos habitantes de Oz; e a jovem Joey King dá a voz à cativante Bonequinha de Loiça Chinesa, manifestamente, uma personagem na linha do filme original.
As opções de realização de Sam Raimi são discutíveis. Regularmente o realizador afasta o espectador da acção com enquadramentos em plano geral, escolhe movimentos de camara pouco ortodoxos e elabora um imaginário visual estéril (que perde em comparação para Tim Burton). Ficam na retina os seres da Floresta Sombria, provavelmente tirados dos esboços de monstros da saga Evil Dead… só que agora num filme para crianças.
Felizmente, há coisas muito boas em Oz O Grande e Poderoso. Quando Raimi tenta imolar O Feiticeiro de Oz, a magia acontece. Os momentos comoventes funcionam na perfeição, os apontamentos cómicos resultam, e as personagens por quem criamos laços de empatia legítima, ficam com a recompensa devida. Apesar da riqueza da história, a personagem de Oz não privilegia a solidez do enredo. É certo que a personagem evolui, mas a moral da história é confrangedora: mentir é bom, desde que todos acreditem. Nós sabemos que o poder de Oz é um embuste, mas não implica que a personagem também o seja. Seria mais rico para a história se fosse legitimamente ingénuo, como Dorothy, que cometesse as asneiras em inconsciência. Resultado, segundo OZ O Grande e Poderoso, Theodora, uma das vilãs mais carismáticas do cinema, o paradigma da Bruxa Má, tem a raiz da malvadez provocada por uma traição, cometida em consciência pelo protagonista… a personagem por quem devíamos estar a estabelecer empatia. E a maquilhagem ao estilo de A Máscara é frouxa.
Se o motivo da produção de Oz O Grande e Poderoso é obter uma receita financeira, fica aqui uma noção de marketing: K.I.S.S. (Keep It Simply Stupid). Ou seja, é fundamental não desvirtuar a matriz da história. Do que se trata o universo de OZ? De Bondade. Se o protagonista não conhece a bondade, não implica que seja maldoso na descoberta do nobre valor, caso contrário influência e desvaloriza a história. Não faze jus ao legado de um dos maiores clássicos do cinema.
Positivo
- Finley e a Bonequinha de Loiça da China
- Regresso a Oz
- A transição visual
- Climax
Negativo
- Clichés
- Interpretações de James Franco e Mila Kunis
- Feiticeiro de Oz e Oz O Grande e Poderoso têm o mesmo set-up, mas diferentes finais. Em que é que ficamos?
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