O pai de Mega Man (por Bruno Reis)

Megaman, conhecido no seu país de origem por Rockman, ou Blue Bomber deste lado do mundo. Este simpático robot está presente em mais de 100 títulos! Espalhados por diversas sequelas, spin-offs e até fora do seu universo como vimos inicialmente nos campos de futebol de Megaman Soccer, nas pistas de Megaman: Battle and Chase, nos RPG com Megaman Battle Network e Megaman X: Command Mission ou nos ringues de Marvel vs. Capcom, Onimusha Warriors e mais recentemente com Super Smash Bros Wii U/3DS.

Contudo, existe um pequeno mal-entendido que tem percorrido o mundo por várias décadas: Keiji Inafune não é o Pai de Megaman, como vulgarmente é conhecido. Na verdade, o seu criador é alguém que infelizmente desapareceu dos livros de história, um homem com uma paixão tremenda, rodeado de uma equipa de talentosos membros que literalmente fizeram magia. Hoje tenho o prazer de finalmente revelar-vos a verdade, e o porquê de tal afirmação. Para isso teremos de viajar um pouco no tempo, ao som da canção dos Chave D’Ouro, “O pai da criança.”

Durante a década de 80, a Capcom afirma-se como uma das líderes incontestadas dos salões Arcade. 1942, Bionic Commando, Ghosts and Goblins, são apenas alguns destes exemplos, e claro como sabemos, todos tiveram versões na célebre consola da Nintendo, a NES. Contudo a empresa desejava ir mais longe, e criar uma série própria a pensar nas potencialidades da máquina da Nintendo. Então decide tomar um risco, e com base numa tentativa falhada de criar um jogo baseado no eterno Astro Boy, coloca mãos à obra!

Akira Kitamura, ou se preferirem A.K, torna-se o responsável desse novo jogo e projeto. Mas se pensam que Rock tomou logo cores e formas estão muito enganados. Na verdade, na sua visão inicial, teria a forma de jogo ao estilo de Contra, com dezenas de inimigos no ecrã. No entanto, este molde teve de ser deitado por terra, devido às limitações da máquina da Nintendo e pelo seu programador, H.M.D ou se preferirem, Nobuyuki Matsushima.

Caso não saibam na altura, muita gente envolvida nestes cargos tinha desempenhado previamente outros papéis na sociedade, e Matsushima foi um operário em diversas fábricas industriais. A sua chegada ao projeto trouxe uma nova vida, até porque citando as palavras do próprio Akira: “As suas capacidades de programação eram fantásticas, provavelmente por antes ter desempenhado funções onde um erro comprometia todo o trabalho de uma equipa, ou até a vida de alguém.”

Como as limitações da NES eram evidentes, Kitamura teve de criar um motor de jogo mais lento, limitado, conseguindo não só cimentar o glorioso level design que se encontra presente em cada um destes jogos, como também criar uma identidade muito própria, começando logo pelo sprite de Megaman. Na verdade não estamos a falar de um sprite mas sim dois sprites. Enquanto a primeira camada é o corpo, a segunda é simplesmente a cara que segue ao mesmo tempo o movimento do corpo, possibilitando não só animações de salto, colisão, como até identificativo piscar de olhos. Acreditem, na altura era do outro mundo!

Se têm curiosidade em explorar este efeito, basta jogarem Megaman 2 e durante a perseguição do Dragão Metálico no Wily Castle 1, notarão que durante a mesma, a cara de Megaman desaparece por instantes, isto devido ao Dragão estar inserido a segunda camada e porque a luta teve de ser antes realizada por auto-scrolling. Com menos inimigos no ecrã e mais espaço por usar a ram na NES, Akira decide inspirar-se nas Obras Tokusatsu, especialmente em Ninja Captor.

A ideia inicial era Megaman mudar a forma do capacete cada vez que obtivesse uma arma nova, mas mais uma vez, a NES não permitia ir tão longe. Mas mesmo assim, Matsushima teve a engenhosa ideia de apenas mudar as cores, e a mente de Kitamura entusiasmou-se de tal forma que começou a planear o jogo a um ritmo mais consistente. A equipa voltou a ir mais longo e conceber a vertente de adquirir e utilizar as armas derrotadas dos seus adversários, adotando o conceito de pedra, papel e tesoura.

Quanto a cor base, também não estava nos planos ser o azul que tão bem conhecemos e adoramos. Na verdade a cor base era para ser o branco, por ser onde sobressaia mais o efeito de mudança das mesmas. No entanto a equipa deparou-se com outro problema, que era a identidade, o branco, não era muito apelativo ou expressivo. Como queriam um sprite mais elaborado e vivido de ações, Kitamura enveredou pelo azul, que é a cor que a palete na NES tem mais variantes. Megaman é apenas azul pela NES, nada mais. Também o azul, segundo a equipa, não era uma cor muito simples ou até ameaçadora, assentando que nem uma luva na personalidade do Rock. Consequentemente o autor de Megaman Megamix, Hitoshi Ariga, foi mais longe e novelizou o azul como a cor do planeta terra, o planeta que Rock jurou defender de todas as ameaças. Eu realmente gosto bastante deste efeito.

Foi mais ou menos nesta altura que Keiji Inafune (Inafking) recém-chegado de Street Fighter, é destacado para o projeto. Porém, o desenho e formas de Megaman já estavam criadas quando chegou a equipa. Kitamura foi na verdade o seu mentor, e apenas deu-lhe indicações, como cada ação ou personagem devia ser ou atuar. Para a conceção das personagens, Inafune, inspirou-se não só em algumas obras favoritas da sua infância como também em célebres inventores da história.

Rock foi inspirado numa mistura de Speed Racer e Astro Boy, Roll em Candy Candy, Thomas Light, num misto entre Thomas Edison e o Pai Natal. Keiji adotou este estilo por conseguir transmitir benevolência a Rock e Roll que, como sabemos, têm a forma de crianças. Já no maléfico Dr.Wily, Keiji inspirou-se em Albert Einstein, um dos maiores físicos teóricos, famoso por criar a teoria da relatividade. Contudo, também esteve envolvido indiretamente na criação da bomba atómica, e como sabemos, o Japão foi arrasado por duas bombas atómicas no final da Segunda Guerra Mundial, e Keiji partiu desses infelizes acontecimentos para criar esta personagem.

Este criou apenas a transição do papel para o ecrã das nossas NES, as criações em si foram criações prévias da mente de Akira Kitamura e da sua equipa. O que criou mesmo de raiz foram o resto dos outros Robot Masters, inimigos, ilustrações promocionais e a capa do jogo. Todos menos um, Cutman, que na realidade era para ser a personagem principal do jogo (por isso tem o corpo de Megaman) e Keiji também baseou-se nos moldes pré-estabelecidos por Kitamura, por isso aqui o crédito é sem dúvida dividido. Enquanto Keiji desenhou as personagens, as mesmas já tinham sido moldadas em prior pela mente de Kitamura. Quanto a cenários, esses estiveram todos a cargo de Yasuhaki Kishimoto.

Quanto à jogabilidade, Kitamura não poupou esforços, porque queria uma experiência na qual os jovens pudessem terminar e voltar imediatamente. Este fechava-se sozinho numa sala, jogando as fases mais complicadas do jogo vezes sem conta, tentando perceber a filosofia da sua dificuldade. Isto porque Akira não desejava um jogo com uma dificuldade injusta, várias vezes debatia-se a si próprio se os programadores de Ghosts and Goblins percebiam realmente do comportamento e disposição de inimigos no cenário.

A sua meta para Megaman era criar um jogo que fosse possível terminar numa hora. Para tal, Kitamura calculou o número de fases com base na velocidade de corrida da personagem e quanto tempo demorava a terminar um nível. Pouco depois o mesmo criou diversas regras, que foram utilizadas nos diversos títulos da série, e que contribuíram para criar um dos melhores level designs de sempre!

A primeira regra: inimigos fracos apareceriam em grupos; segunda regra: todos usariam o mesmo ataque; terceira regra: usariam o terreno para implementar dificuldade; e finalmente a quarta regra: a dificuldade de cada secção gradualmente aumentava, sendo a última a mais fácil. Por exemplo, no primeiro inimigo podemos apenas ficar e observar o seu comportamento numa localização segura, no segundo momento temos de saltar e disparar, no terceiro momento, desviar e colocar stages hazards como picos enquanto tentamos conquistar a prova que no final apenas rege-se por um corredor com um grupo, ou um inimigo que até podemos evitar ou ficar simplesmente a disparar. Este modelo permitiu criar, um efeito de satisfação ao jogador por ultrapassar uma secção difícil.

Para finalizar a banda-sonora foi orquestrada por uma jovem talentosa recém-chegada a Capcom, Manami Matsumae. Segundo as indicações de Kitamura esta criava músicas baseadas com o efeito e simbologia dos Robot Masters integrados no cenário. Por exemplo a fase de Elecman tem como cortina de fundo um ligeiro pulsar elétrico para remeter a energia.

Só faltava mesmo decidir o nome do jogo e aqui, antes de tornar-se no Rockman, ainda foram propostos nomes como Mighty Kid, Knuckle Kid, ou The Battle Rainbow Rockman! Eventualmente a equipa encurtou o título apenas para Rockman. Quando o jogo foi lançado no ocidente foi intitulado de Megaman por dois grandes motivos: segundo o responsável máximo pela Capcom America nessa altura, já existia uma patente registada de material de som com o mesmo nome, e o nome Rockman era horrível e pouco apelativo para as camadas jovens americanas. Curiosamente o logótipo destes aparelhos usa o mesmo azul que encontramos em Megaman.

A 17 de Dezembro de 1987, o jogo é finalmente posto à venda no Japão, que embora com vendas moderadas, não foi o suficiente para cimentar uma série. Mesmo assim, Kitamura acredita que criou algo muito especial. As personagens, conceito e jogabilidade, todas foram criadas com sequelas em mente, e seriam muito fáceis de transportar para uma nova equipa mantendo a sua qualidade.

Facto é que foi a sua sequela que explodiu a popularidade de Megaman no mundo, contudo apenas teve autorização pela Capcom na condição que fosse produzida nos tempos livres conjuntamente com outros títulos. O mesmo teve desenvolvimento de cerca de 4 meses, e mesmo com diversos assets mantidos do primeiro jogo, Kitamura e a sua equipa faziam esforços para trabalhar, chegando mesmo a permanecer no local de trabalho durante 20 horas seguidas. Devido a todos estes condicionantes parece mesmo que Akira Kitamura é o seu criador, mas então onde começou o nome de Inafune vir ao de cima? Pois bem vamos descobrir já de seguida.

Foi a partir do segundo jogo, já referido, que Inafune ficou mais envolvido na produção destes jogos, sendo que só ficou mesmo como chefe de produção na quarta entrega. Durante a Megaman 2, Kitamura ainda manteve-se tendo um papel também importante na música. Isto porque Manami abandonou o navio e entregou o leme a Takashi Takeshi, que mesmo com faixas rejeitadas inicialmente pelo próprio Kitamura, conseguiu produzir muito possivelmente as melhores da série, sendo o criador do inconfundível Wily Stage 1 e ecrã inicial, que são quase consideradas as faixas oficiais da série.

Este foi infelizmente o último jogo criado por Kitamura, sendo que o terceiro teve como chefia Masahiko Kurokawa. Mesmo assim, antes de abandonar a Capcom, Kitamura deixou no papel indicações como devia ser o terceiro jogo. Substituir os items numerados por um cão robot, chamado Rush, criar um misterioso irmão para combater Megaman e dar mais ênfase à história deixando mantidas as regras de jogabilidade. Mesmo com um sucesso creditado pelas vendas e crítica, Kurokawa não percebia a filosofia de Kitamura, criando alguns desacordos entre a equipa. Foi nesse momento que Inafune ficou creditado pela chefia da equipa até aos dias presentes.

Facto é que Kitamura é muito humilde, nem sequer encontramos uma foto sua na Internet, e não gosta de ficar com louros, afirmando que o desenvolvimento de Megaman, apenas foi possível com a ajuda de várias mentes e ideias. Infelizmente este efeito contribuiu para apagá-lo dos livros de história, mas o seu contributo para a indústria jamais será esquecido.

*Este artigo foi escrito com base de várias informações espalhadas pela Internet, e pelo livro publicado pela Udon, Megaman Tribute.*

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