Existem alguns jogos que surgem do nada e acabam por se transformar em referências na indústria dos videojogos. Quando Hideo Kojima saiu da Konami, todos sabiam que o um criador como este iria certamente regressar com um jogo que iria tentar marcar novamente a indústria, tal como Metal Gear Solid o fez. A nova aposta é Death Stranding, um jogo que tem vindo a confundir mais os fãs do que a dar a perceber o que é na realidade. Afinal existe existe uma corda que consegue ligar tudo.
(ESTA ANÁLISE FOI REALIZADA DE FORMA A NÃO INCLUÍ QUALQUER TIPO DE SPOILERS SOBRE A HISTÓRIA.)
Tendo me abstraído ao máximo da maioria dos trailers e informações lançadas até agora, foi a melhor forma de embarcar na narrativa e conhecer este novo universo. Depressa percebi que a melhor forma de perceber o que é Death Stranding, é simplesmente jogar. Mas acreditem quando vos digo que não é um jogo que seja facilmente digerido por quem joga de forma mais casual. Ainda para mais, tendo em conta que arranca lento e só começa a ganhar velocidade após algumas horas.
Sim, Death Stranding é um jogo mais focado na história e esta não é nada fácil de entender se estiverem distraídos. As primeiras horas são uma autêntica confusão e posso dizer que me senti bastante perdido com tantos nomes, referências e pontas soltas. Isto ainda se torna mais frustrante quando nos apercebemos que Kojima faz isto de forma intencional, atirando para a narrativa acontecimentos e gíria própria do mundo, como se já o habitássemos há anos. A história só começa a fazer sentido depois de algumas horas e felizmente, as últimas horas unem a maioria dos pontos e a coisa acaba por fazer sentido na sua grande maioria. Um grande alívio na verdade.
A história tem alguns momentos altos e boas personagens principais, mas também sofre por nos fazer caminhar por muitos espaços vazios e a conhecer personagens que não são assim tão interessantes. Pior ainda, estas personagens com quem falamos durante algumas horas são apenas hologramas e poucos interagem pessoalmente connosco, o que faz com que o mundo de Death Stranding pareça tão vazio e despido de vida como a primeira versão de No Man’s Sky. Como alguma da história e conversas mais interessantes estão enterradas em centenas de emails que recebemos e que precisamos de ler, muitas das histórias alternativas vão passar ao lado da maioria. Como não existe sequer possibilidade de ouvir os emails com voz, escolhi ignorar muito do conteúdo de história que estava escrito nos emails que não estavam marcados como importantes. Com a quantidade de caminho que há para percorrer, os emails em áudio tinham sido uma inclusão de ouro.
Neste jogo encarnamos Sam Bridges (Norman Reedus), um Porter (transportador de encomendas) que entrega caixas ou outros componentes como correio. Isto é o mote para dar a entender que Death Stranding é um jogo sobre união, criar laços e conectar com outras pessoas. Desde a ideia constante de ligar a América entre si, até ao ponto de termos de formar confiança com os destinatários que nos dão LIKES (estilo Facebook) pelo nosso trabalho, este é o estilo de enredo que tenta sempre passar uma lição de que unidos somos mais fortes.
Muitos ficaram confusos com o estilo de jogabilidade ao ver os trailers (eu também fiquei), parecendo mais um walking simulator que um jogo a sério. Pois bem, Death Stranding é um jogo onde vão ter de andar muito, muito mesmo, mas isto é feito de que forma como se o próprio processo de andar e percorrer o mundo seja um jogo em si, com o ambiente a servir como obstáculo e atirando várias ameaças para o nosso caminho. Com o avançar do jogo, a caminhada vai sendo reduzida com algumas ferramentas e veículos que podemos usar, o que facilita até o transporte. Pode ser um jogo onde se anda muito, mas se pensarem em mundos abertos como Horizon Zero Dawn ou até Breath of the Wild, subitamente não parece assim tão estranho.
Curiosamente, Death Stranding é um daqueles jogos que parte do princípio que quem o está a jogar já tem os conhecimentos médios de como um jogo funciona. É logo esperado que se consiga interagir bem com o ambiente usando vários botões e os dois analógicos, havendo pouca introdução a estes elementos. Qualquer dúvida pode ser sempre retirada nos menus através das dicas de jogo, mas muito do que Sam faz ou aprende a fazer, é explicado de forma subtíl e cada um tem a liberdade de fazer como preferir. Por isso, se são novatos, preparem-se para um início confuso e também pouco intuitivo.
Além de andar entre zonas a distribuir encomendas, Sam também vai encontrar algumas ameaças reais ao seu progresso final de ligar a América através de uma rede de comunicação especial. Pelo caminho vão ser abordados inúmeras vezes por humanos que vos atacam para roubar as mercadorias. Como estes controlam áreas específicas, o confronto com eles é quase inevitável. A parte boa é que é possível combater estes ladrões, por isso gastei ainda um bom tempo da minha experiência a derrotar acampamentos inteiros para roubar as suas mercadorias para mim. Cá se fazem, cá se pagam!
Claro que a maior ameaça do jogo não são os humanos, mas sim os BT, sombras que se tornam invisíveis e que é preciso evitar ao máximo, isto claro, até termos várias formas de as combater, que vão de armas mais convencionais até outras ferramentas. Mesmo com algum arsenal às costas, os confrontos com os BT nunca são certos e se está a chover em alguma zona, não só temos de nos preocupar com eles, como com os danos que a chuva vai provocando às nossas caixas. Estes momentos conseguem ser bastante tensos, ao ponto de chegar próximo de alguns jogos de terror.
A todas estas áreas de jogabilidade é adicionada também a construção e colocação de ferramentas no mundo, algo que é feito a nível individual ou com outros jogadores caso estejam ligados ao online. Os servidores estão constantemente a ligar jogadores de forma invisível e muitas das suas construções ou objectos colocados no mundo, passam para os de outros. Durante a minha experiência usei muitas escadas, cordas e pontes deixadas por outros jogadores e construí troços de estrada e ferramentas com a ajuda de outros, contribuíndo com materiais que resultavam numa experiência de jogo melhor para todos. Não é de todo intrusivo e funciona bem. É possível até recuperar encomendas perdidas por jogadores e devolver as mesmas ou receber as nossas que outro jogador apanhou, o que ajuda a dar alguma da vida que falta ao mundo. Só me irritou o facto do nosso armazém privado não partilhar o seu stock entre todos os pontos que ia visitando.
Apesar de não ser um RPG, Death Stranding faz com que se tenha de gerir bastante as capacidades de Sam e melhorar as suas ferramentas constantemente. Quanto mais missões fazemos e mais coisas entregamos, mais confiança vamos ganhar com as personagens e mais coisas são desbloqueadas para criar. Se fizerem a história a correr, vão perder muitas ferramentas que ajudam bastante a avançar, como é o caso do Exosqueleto que permite carregar ainda mais peso sem que Sam se canse tão depressa. Ou seja, é uma recompensa constante por fazer mais entregas e interagir com os diferentes destinatários.
Sendo uma mega produção, Kojima não se poupou a utilizar vários recursos dos estúdios ligados à Sony para dar vida aos actores e aos cenários. O Décima Engine de Horizon Zero Dawn é muito bem usado neste universo, não só para modelar os actores que entram Death Stranding, como também para construír o mundo do jogo, desde os seus penhascos aos rios e instalações decrépitas. Claro que o destaque irá sempre para os actores e ver as versões digitais de Norman Reedus, Mads Mikkelsen, Léa Seydoux, Tommie Earl Jenkins, Margaret Qualley e até Troy Baker (que finalmente tem uma personagem com a sua face real), é bastante impressionante, com um destaque pessoal para o Earl Jenkins que é dos modelos de captura mais bem feitos. Por alguns momentos, os rostos chegam a roçar o Uncanny Valley, mas prefiro a decisão tomada de manter as faces claramente artificiais, mesmo que sejam altamente realistas.
Do outro lado da moeda, Death Stranding também fica a ganhar imenso por ter actores a sério. Quase todos os diálogos são coisas dignas dos melhores filmes e o trabalho realizado é bastante forte. Embora tenha jogado do príncipio ao fim da versão inglesa, ainda experimentei um bom segmento em português. Posso dizer que nunca esperaria que fosse tão bom como em inglês, mas não está nada mau para o que se espera de um jogo mais sério e frio como este, por isso é bastante válido jogar em português caso inglês não seja a vossa “praia”. Depois temos também a banda sonora seleccionada para o jogo que é soberba. As bandas convidadas incluem grandes músicas e até a música de CHVRCHES (uma banda que adoro) fica na cabeça. Aliás, toda esta análise foi escrita a ouvir a banda sonora em repeat.
Death Stranding ainda demora umas boas horas a terminar caso queiram fazer tudo o que mundo oferece. Como seria de esperar alguma da longevidade também é mascarada pelo facto de termos de percorrer os mesmos caminhos de trás para a frente, ainda para mais algumas das encomendas obrigam mesmo a caminhar por trilhos compridos e complicados. Mas se quiserem fazer apenas a história, calculo que a consigam acabar em menos de 20 horas. Claro que vão ter de ver uma boa carrada de cinemáticas pelo caminho.
Ainda existem muitas coisas que ficam por dizer sobre Death Stranding, tanto por ainda não se poder falar delas para já, como também por querer que tenham ainda as vossas supresas. Há muito deste jogo que não se consegue contar por palavras sem escrever várias páginas de texto, mas isso não quer dizer que temos aqui um jogo que tudo o que diz e faz é fantástico. Mesmo que seja uma experiência com algumas ideias diferentes e arrisque ser ousado num mundo de videojogos carregado de ideias exploratórias e live-services, não é por ser um jogo de Hideo Kojima que temos de fechar os olhos a alguns pontos menos conseguidos, por muito bom ou arrojado que possa ser.
Death Stranding começa lento, confuso e até algo distante, mas tal como o próprio tema do jogo em si, é uma experiência que forma uma ligação com o próprio jogador. Quanto mais o jogava e o percebia, mais gostava dele, mas nem todos vão ter a mesma paciência para o ver até ao fim, o que é uma pena. Depois de passar por toda a confusão, viver a vida e as angústias de Sam e acabar a história, esta ainda me ficou na cabeça e fez com que todos os pontos menos positivos pareçam apenas coisas pequenas num todo.
Death Stranding é um jogo marcante e quando chegou ao fim, senti que vale bem a pena fazer esta viagem.
Positivo:
- Grande conjunto de actores
- História interessante que acaba por fazer sentido
- Interacções com outros jogadores
- Banda sonora
Negativo:
- Muito backtracking
- Bunkers criam sentimento de mundo sem vida
- Muita informação enterrada nos emails
- Não é definitivamente para todos os jogadores
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