Análise – American Gods T1

American Gods coloca-nos numa posição de novidade perante um dilema que provavelmente nunca pensámos que existisse. A premissa não nos é dada de imediato. Apesar dos mais atentos perceberem desde logo com quem estão a lidar, só no fim desta temporada temos certezas sobre a identidade de uma das principais personagens. American Gods é a história dos antigos deuses que sobreviveram às mudanças dos tempos, mas também gosta de ir aos confins da memória humana para exemplificar o que aconteceu a tantos outros que foram esquecidos.

Para além de uma publicidade que não parou de nos atormentar durante as nossas Lives na Twitch, American Gods foi apresentada como uma grande aposta do serviço: Amazon Prime. Ou seja, é uma produção de grande escala idealizada para competir com outras tantas que andam por aí.

A história começa com Shadow Moon (Ricky Whittle), um recluso que está prestes a cumprir a sua pena e prepara-se para regressar a casa. A sua vida prepara-se para uma mudança com a sua mulher Laura Moon (Emily Browning) à sua espera assim como um emprego com o melhor amigo à espera. Mas todos nós sabemos que isso não teria piada nenhuma e é então que Shadow descobre que a sua mulher morreu, assim como o seu melhor amigo. Podemos dizer que morreram os dois demasiado próximos e numa situação bastante embaraçosa. E é assim que Shadow começa a sua jornada, como um homem que já perdeu tudo.

No meio de tanto desespero aparece uma nova personagem, Mr. Wednesday (Ian McShane). Este velho que parece saber tudo sobre Shadow e tem uma atitude bastante pacata para com a vida acaba sempre por tirar partido das situações, e subsequentemente acaba por cativar o interesse de Shadow.

Mr. Wednsday tem uma agenda bastante preenchida e tudo o que acontece nesta história tem o cunho de Mr.Wednsday, que para os mais atentos terá desde já outro nome. Ao longo dos 8 episódios existem vários segmentos que ajudam a complementar a narrativa, desde histórias isoladas que parecem não ir a lado nenhum mas acabam por fortalecer personagens, e momentos distantes que fortalecem o futuro da série, a menos que os produtores queiram gozar connosco, claro está.

Outras personagens que se juntam a esta aventura são: a Dead Wife ou Laure Moon, a mulher zombie de Shadow, Mad Sweeney, que acaba por ser o parceiro involuntário da senhora Zombie, e uma mão cheia de Deuses que se estão a adaptar ao novo mundo em que vivemos e que querem por força converter os velhos deuses ao novo método de adoração. – Vocês sabem, redes sociais e TV. – Por esta altura já devem estar a imaginar que há um certo velho com nome de dia da semana que não anda lá muito contente com a ideia, e se é essa o vosso palpite, estão correctos. Esta primeira temporada parece não ir a lado nenhum mas acaba por ter um final com bastante impacto e que vem mudar por completo o contexto em que nós viveríamos se acreditássemos nos deuses, ou por não acreditarmos neles.

O foco da 1ª temporada de American Gods, pelo menos no geral, é mostrar as diferenças que os deuses sentem entre os tempos de outrora e a actualidade, mostrar o que mudou e acima de tudo realçar aquilo a que os Deuses estão dispostos para não caírem no esquecimento. Pelo fim dos 8 episódios a ideia que fica é a de uma introdução, conhecemos algumas personagens bem, outras nem por isso, e acabam por nos trocar as voltas nos últimos momentos.

Esta é uma série sem grandes pudores, American Gods mostra tudo, e quando falo em tudo não me refiro apenas ao nu integral, quer seja para o romantismo ou para a guerra. Muitas vezes existem planos que realçam alguns adereços ou cenas que parecem não ter muita importância mas que após alguma análise acabam por fazer sentido, como é o caso de alguns coelhos na estrada que são violentamente atropelados por um carro conduzido por um deus; esta cena representa a visão de um deus perante os humanos e sim, somos os pobres coelhos.

Outras cenas preferem destacar alguns costumes ou acções que poderão passar despercebidos aos menos conhecedores de mitologia em geral, mas no fim de contas aquilo que mais interessa acaba por dispersar os espectadores em vários sentidos e a menos que sejam espectadores que invistam algum do vosso tempo ou que conheçam o tema previamente é bastante provável que acabem por não achar grande piada a American Gods.

American Gods acaba então por ser um misto em partes iguais de uma narrativa principal que nos agarra e narrativas secundárias, muitas delas parecem supérfluas ao enredo principal e não parece que algum dia terão importância para além do choque do momento para alguns espectadores. É uma mistura que funciona para alguns, nomeadamente os que realmente querem perceber o que se passa, mas para aqueles que querem apenas descomprimir e desfrutar de uma série sem grandes chatices de percepção ou reflexão sobre a mesma, provavelmente esta não é uma série para vocês. As cenas extremamente gráficas e os mistérios que se estendem por períodos de tempo demasiado longos acabam por exigir alguma dedicação por parte do espectador para que valha mesmo a pena ver American Gods.

A série é-nos apresentada num misto de realidade e CGI por entre cenários construídos para o efeito. Toda esta mistura está muito bem executada, especialmente quando nos é apresentado um cenário que representa a ideia que cada um tem de um certo local. Existem muitos momentos que são baseados na mente das personagens e acabam por ter um aspecto bastante diferente daquele que seria de esperar e por vezes a série prefere admitir que está mesmo a utilizar CGI e dá aso a planos estranhos. Outros momentos CGI estão rodeados de imensos adereços e acabam por disfarçar bastante bem, embora acabemos sempre por notar onde está o real e o falso.

O aspecto geral da série acaba por ser então fabricado através de várias técnicas e cada local tem a sua própria história para contar, muitas vezes apenas com referências visuais conseguimos perceber o carácter e ideologia de quem ali reside.

Em termos de efeitos especiais, como já disse, é uma série extremamente gráfica e esses momentos são geralmente bons, digo geralmente porque toda a caracterização da Dead Wife me parece extremamente falsa, mesmo que de relance. Acho que aqui poderiam mesmo ter pedido uma dica ou outra a The Walking Dead da AMC, especialmente no que toca às entranhas.

No que diz respeito ao som, diria que tem vários bons momentos mas também contém a sua dose de liberdade criativa que acaba por não se conjugar da melhor forma com o momento.

No geral, American Gods é uma mistura bastante díspar entre episódios e momentos. Existem episódios que poderiam ter sido eliminados e nem daríamos por isso, apesar de serem excelentes histórias complementares. A narrativa propõem-nos uma aventura com momentos épicos que não chegam a estar presentes nesta 1ª temporada e toda a preparação e personagens que ora aparecem ora desaparecem deixam um sabor amargo. É certo que quero ver mais, mas é quase tortura ter de esperar um ano para conseguir alcançar aquilo que nos foi prometido.

Assim, e apesar de a nível pessoal ter adorado esta série, não consigo recomendar American Gods a qualquer pessoa, e muito menos ignorar todos os seus problemas em prol de algo maior que a série ofereça. American Gods é sem dúvida uma série com qualidade mas que só vale a pena para os espectadores que realmente queiram dedicar o seu tempo a adorar esta série.

 

Alexandre Barbosa
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